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A Quinta do Vilar (parte 1)

Havíamos acabado de chegar à Quinta do Vilar. Eu estava maravilhada com a paisagem. Localizada no alto de uma das colinas do Vale do Rio Douro, cercada por vinhedos e oliveiras centenárias, o cenário que se descortinava diante de mim era tão colorido e tão cheio de nuances como uma tela impressionista. 

Vinhedos outonais intercalavam-se em tons de amarelos e vermelhos e contrastavam com o verde das oliveiras, o azul do céu e o cinza das pedras de xisto que formavam degraus e ampliavam a perspectiva do lugar junto às sombras que os raios de sol deixavam nas montanhas.

Encantada, mas atribulada, eu ainda pensava sobre o que queria fazer com a minha vida, da mesma forma como pensara nos últimos 5 anos, 5 dias e 5 minutos. Algo corriqueiro em uma mente feminina que tem dificuldade de se desconectar dos problemas do mundo e dos problemas que inventa para si mesma. 

Ainda assim, ouvia Maria com atenção. Ela comandava o lugar que pertencera a seus pais há poucos anos. E falava dali com um amor inspirador, como alguém que escolhera seu próprio destino e agora está decidida a conclui-lo com propósito. 

Fazia parte de seus planos dividir aquilo tudo com viajantes como nós, para compartilhar, aprender e ensinar. Para receber e doar. Ela então abrira as portas de sua casa, dividia conosco sua mesa, seu vinho e, enquanto nos falava sobre suas crenças e intenções dizia: – Vocês estão aqui porque este lugar de alguma forma precisa da atenção de vocês. Todos vocês possuem alguma coisa da qual este sítio precisa.

Mas o que eu poderia ter para oferecer a Quinta do Vilar? Eu, menina da cidade, desastrada, com braços fraquinhos e quase nenhuma experiência no campo?

Eu ainda não sabia a resposta. Mas foi naquele momento que ela ganhou minha dedicação. Eu também gostava de pensar que eu estava ali por algum motivo além de minha ou nossa própria vontade. Gosto de pensar que “o universo conspira a favor”, ou que “tudo coopera para o bem daqueles que amam a Deus…”. Independentemente da crença que temos, quase nada é por acaso. 

Maria queria que escrevêssemos nossas habilidades e desejos em uma folha de papel para entregarmos a ela. E foi preciso mais do que 24 horas para fazê-lo. Não queria inventar nada, nem dar nenhuma desculpa. Até que perguntei ao meu marido: “Meu amor, no que eu sou boa?”. “Que habilidades eu tenho?”. Ele não demorou nem um segundo para dizer que eu era ótima em arrumar e organizar coisas, casas, ideias, vida. 

Era a primeira vez que alguém em um Workaway nos fazia este tipo de pergunta. O que você pode fazer? O que você quer fazer? E não foi em vão. Maria perguntou, ouviu e leu nossas respostas. E então me pediu para organizar uma série de documentos que ela não tinha nem vontade, nem tempo, nem disposição para mexer. E, para mim, foram momentos de puro deleite.

Não é que, afinal, a Quinta do Vilar realmente precisava de mim tanto quanto eu precisava dela? 

Aqueles documentos trouxeram-me tanto sobre o que aquela fazenda poderia produzir. Vinho e azeite, afinal, estavam mesmo fazendo parte dos meus dias. E eu estava ali, em meio àquela bela paisagem, fazendo algo que sempre gostara de fazer: aprendia e refletia, enquanto organizava aquele acervo de gerações, de problemas e soluções.

Maria gostou do resultado e gentilmente perguntou-me se eu poderia organizar algumas coisas mais. – “Claro!” – Foi a minha resposta. Nos dias que se seguiram, passaram por mim mais documentos e uma garagem lembrando-me de meus dias em São Pedro da Aldeia e também em outros trabalho e carnavais. E tudo fez sentido. Não há mesmo como fugirmos de nossa própria essência. É melhor aceitá-la. E doá-la a quem estiver ao nosso redor e ao mundo.

Entretanto, a Quinta do Vilar não se resumiu aos meus momentos adoravelmente solitários junto a documentos e objetos antigos. Naquela fazenda, conhecemos pessoas mais que interessantes, fizemos novos amigos, compartilhamos momentos que ficarão para sempre em nossa memória. Mas isso já será assunto para outro post…

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

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Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

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