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Sou portuguesa… e não sabia.

#olhabempqbemtem …descobrir, conhecer, entrar em contato com suas raízes.

Eis aqui outro texto que demorei para escrever… Talvez pelo aparente paradoxo aqui existente. Afinal, em Que caiam os clichês!, escrevi que nacionalidades não são definidoras de pessoas ou de personalidades. (E não são mesmo!) Ou talvez porque já falamos das similaridades entre Brasil e Portugal em O reflexo do antigo e voltar ao assunto seria repetitivo…

Mas o fato é que nesta última viagem eu descobri Portugal em mim. E realmente isso foi uma surpresa.

Na verdade, não deveria ser… Meu bisavô era português. Minha bisavó nasceu no Brasil, mas passou parte de sua infância em Portugal porque sua família era de lá. Sempre soube que as raízes existiam. Mas sempre as ignorei tacitamente.

Por que fiz isso? Logo eu… Tão interessada em História, raízes, cultura.

Na escola, na faculdade, em minhas leituras pessoais e contínuas… Em minha mente, sempre privilegiei aquela tal brasilidade. Sempre me encantei pelas viagens expedicionárias do século XIX, por exemplo, quando estrangeiros vinham ao Brasil para desenhar, estudar e desbravar esse nosso imenso território de natureza e povo tão singular. Mais ainda, sempre me encantei com o discurso antropofágico de Oswald de Andrade e depois com toda a apropriação desse discurso feita por Caetano Veloso, Gilberto Gil e cia no Movimento da Tropicália.

E assim foi. Construí a ideia de que o Brasil era algo completamente diferente, com identidade própria, fruto da mistura de diferentes raças, etnias, nacionalidades e culturas.

Sou brasileira, nascida e criada no Rio de Janeiro, então por extensão sempre achei que eu mesma fosse fruto dessa linda e complexa mistura. (Ainda que pessoalmente saia um pouco da curva, como disse no último post).

Como alguém que foge do seu próprio passado…

Ignorei tanto Portugal que, apesar de ter ido a Europa seis vezes, só visitei o país dessa última vez… E, mesmo assim, por acidente! Porque não estava nos nossos planos, como explicamos aqui.

Ignorei, apesar de muitos amigos que me conhecem bem terem insistido dizendo que eu deveria ir até lá… que eu iria amar… Pois fui. E fui invadida por um choque de realidade.

Ao andar na rua, vi avós, tios e primos. Passava na frente de uma padaria e sentia os mesmos cheiros e sabores da padaria da esquina de minha casa e de tantas outras no Brasil. Entrava em um restaurante e a comida tinha sabor de infância… Era a comida que a bisa fazia… Era a sobremesa que a bisa fazia… Ah… As sobremesas…

Mais de uma vez, o prato do dia era o famoso Cozido… Aquele Cozido que todos pediam para a minha avó fazer no domingo ou em datas comemorativas. O mesmo Cozido que minha mãe aprendeu a fazer com esmero e que reúne toda a família ao redor de uma grande mesa.

Por duas vezes tive a real sensação de dejà vu.

Andava por Piodão, uma pequena e linda cidade do interior, e passei em frente a uma casa cujo barulho se estendia a metros de distância… Não era música alta. Não era briga. Era um almoço em família, com seus membros conversando alegremente em um tom muito alto. De vez em quando, a manifestação de diferentes opiniões em volume ainda maior… Mas nada que atrapalhasse a harmonia da casa.

No dia seguinte, andava por Coimbra. Um domingo, uma esquina, uma viela, a porta de um restaurante. No meio da calçada, uma enorme mesa! Mais de vinte cabeças se servindo e passando pra lá e pra cá uma feijoada, um cozido… Queria tirar foto para mostrar para os meus tios! Tudo me soou tão familiar que tive vontade de sentar ali mesmo e comer com eles.

E aí conheci a Lia…

A Lia é uma amiga de “José e Janine” d’A Quinta da Portela que teve sua casa atingida pelo incêndio que ali ocorreu. Ela conseguiu recuperar muito pouco de seus pertences. E a roupa que usava era completamente nova. Era a única que ela tinha naquele momento.

Lia também é holandesa, apesar de ter conhecido “José e Janine” apenas em Portugal. E, ao conversar com ela, me surpreendi com o seu relato. Mais ou menos, o que ela me disse foi:

“Claro, tem sido muito difícil. Mas aos poucos estou me conformando e retomando minha vida. Não há mais o que fazer. Tenho sorte de estar aqui. Os portugueses são um povo muito solícito, muito unido e que ajuda muito seus amigos. Tenho recebido o suporte de muitas pessoas. E, afinal, foi por causa dessa característica do povo português que eu vim para cá. São realmente um povo muito querido e gentil”.

Pois é – comentei. Falam justamente isso sobre o povo brasileiro! Eu achava que era algo só nosso, dos brasileiros. Mas você não é a primeira pessoa a me dizer isso e começo a achar que somos assim porque herdamos essa característica dos portugueses.

Não é que eu, de fato, seja portuguesa…  

A questão é que passamos tanto tempo buscando aquilo que nos diferencia, que muitas vezes esquecemos daquilo que nos iguala. E é por isso que esse texto não contradiz o Que caiam os clichês!.

A questão é que, para muitos brasileiros, por termos sido colonizados por portugueses, temos a tendência de vê-los como vilões, aproveitadores, ou até incompetentes… Quantas vezes não ouvimos a frase: “Ah… Se tivéssemos sido colonizados pelos ingleses, tudo seria muito diferente”?

Reclamamos tanto, que acabamos esquecendo a parte boa da história…

Esse não é um texto empírico, que pretende revelar uma verdade absoluta. Mas é bem provável que aquelas tais qualidades das quais os brasileiros mais se orgulham, tenham vindo justamente dos portugueses. A hospitalidade, a simpatia, a generosidade.

Temos nossos muitos defeitos… Quem não tem? Mas eu, pelo menos, não trocaria essas nossas adoráveis qualidades por outras…

Elas definem a maioria de nós e tenho muito orgulho disso. Que nós, brasileiros, continuemos assim: sendo reconhecidos por nossa hospitalidade, simpatia e generosidade. Da mesma forma como os portugueses têm sido reconhecidos por muitas pessoas.

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

Trilha Sonora deste post: Canção do Mar – Dulce Pontes

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

5 thoughts on “Sou portuguesa… e não sabia.

  • Katia Naylor

    Rachel, desde que conheci sua mãe fiquei apaixonada por ela, por seu jeito meigo, carinhoso de ser. Agora estou encantada por você, pois vê Portugal exatamente como vejo e sente como sinto, e falou o que falo, isso me encanta, saber que através de uma jovem, linda e inteligente encontro meus sentimentos nos seus escritos.
    Essa singularidade me renovou, estou muito feliz pela minha amiga Eliete, “pessoa encantadora”, e mãe de uma ilustre escritora.
    Quando for lançar um Livro quero estar presente para abraçar as duas, mãe e filha.
    Beijos e desejos de muito sucesso!!!
    Katia Naylor

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    • Que bom saber disso, Katia! Muito bom saber que minhas impressões são como as suas, que conhece Portugal muito melhor do que eu! Muito obrigada por seu comentário, por sua torcida e por seu carinho! Beijos, Rachel

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  • Cintia Caldas Alves

    Definitivamente, Portugal me deu esta mesma sensação. Embora eu sempre tenha desejado visitar o país, e o admirasse em vários aspectos, principalmente históricos e artísticos, não imaginei encontrar um povo tão solícito e me sentir tão bem e em casa. Foram dias encantadores e de ótimas experiências. Pelo visto, temos ambas um pedacinho português no nosso coração. <3

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    • Que bom ler seu comentário, Cintia! É bem isso, né? Sentir-se em casa… <3 Bom saber que compartilhamos o sentimento. Obrigada por seu comentário. Rachel.

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