Comportamento

Um convite inesperado

Durante a colheita de uvas em Bacharach, recebemos um convite inesperado. Melanie Maria Kneip entrou na casa em que estávamos hospedados e sem muito rodeios disse: “Eu e Lorenzo queremos oferecer um emprego a vocês”.

“What?” – eu pensei enquanto meus olhos provavelmente se arregalavam e eu tentava disfarçar minha surpresa com um sorriso. Eu não sabia o quanto o Felipe tinha entendido do inglês dela ligado nos 220 volts. Então respirei fundo e ouvi o que ela tinha a dizer.

Melanie procurava por alguém que pudesse morar naquela casa em que nos encontrávamos e trabalhar ao longo do próximo ano em suas vinhas. Afinal, ela morava na Sicília e não estaria ali em boa parte do tempo. Não importava pra ela se não sabíamos muito sobre o assunto. Ela sempre estaria ali quando necessário para dar as orientações e pra ela estava claro que o Felipe daria conta de tudo.

Nós  perguntamos sobre salário, sobre contrato, e horas de trabalho. Ficamos de pensar e dar uma resposta depois. A oferta parecia boa financeiramente. E, afinal, aquela parecia ser uma oportunidade pela qual sempre esperamos: aprender todo o ciclo das videiras e da produção de vinho. Além disso, nós gostávamos de Bacharach e daquela casa. Poderia ser também uma oportunidade para vivermos mais tempo na Alemanha.

O porém de toda essa história é que conhecíamos a Melanie e sabíamos que, primeiro, ela não era boa pagadora e, segundo, ela não era boa professora. Se aceitássemos, não tínhamos dúvidas de que o trabalho seria muito duro e, talvez, não durasse por muito tempo.

Furada

Os dias em Bacharach acabaram com uma resposta positiva de nossa parte: voltaríamos, portanto, a Bacharach, mesmo sem sequer imaginar que isso poderia acontecer por uma terceira vez. Eu e Felipe viajaríamos para o Brasil para as festas de final de ano, mas voltaríamos à pequena cidade medieval no ano seguinte, para o trabalho na Weingut Lennard.

Enquanto estávamos fora, manteríamos contato com a Melanie Maria Kneip para acertarmos questões relacionadas a contrato, documentação e etc. E assim foi. Ela me ligou ou mandou mensagens em todas as semanas de nossa ausência, chegou a solicitar procuração para tirarmos um número fiscal na Itália, país da empresa em que seria emitido nosso contrato… Mas hoje, quando lembro, percebo que talvez ela realmente só estivesse querendo ganhar tempo.

A situação da pandemia agravou-se no Brasil no início de 2021. Não conseguíamos voo para voltar a Alemanha e foi somente no final de março que chegamos a Bacharach. Mas Melanie não tinha colocado ninguém para trabalhar em nosso lugar e nem preparado um contrato de longo prazo válido.

Apesar disso, trabalhamos muito, correndo contra o tempo. Sob sol, sob chuva. Em colinas íngremes e escorregadias. Sempre cumprindo com o horário e com o que nos era pedido.

Passou-se um mês e o contrato não apareceu sob desculpas pandêmicas. Passou dois meses e o salário estava atrasado. Passou o terceiro nos limites de nossa paciência e boa vontade. Estávamos cansados do trabalho pesado, sem contrato e sem remuneração, mas repleto de exigências.

Começamos a pressionar a Melanie com mais frequência e, ao mesmo tempo, pensar em um plano B. Não seria possível ficar em Bacharach naquelas condições. Precisaríamos sair dali. Até mesmo porque nada mais nos inspirava confiança.

Vítimas de estelionato

Três meses em Bacharach foi o suficiente para entender algumas coisas sobre Melanie Maria Kneip.

A primeira é que ninguém na cidade parecia gostar dela! Mesmo quando entrávamos em contato com alguém que ela dizia ser amigo, ouvíamos coisas do tipo: “É muito fácil fazer vinho quando se está na Itália com a bunda virada para o sol, em vez de estar aqui cuidando das vinhas” – em um alemão bem rabugento.

Por inúmeras vezes fomos alertados por transeuntes de que não seríamos pagos. As pessoas nos tratavam bem, mas olhavam-nos com pena quando dizíamos trabalhar para a Melanie. Sem contar que oficiais do governo estavam frequentemente rodeando sua casa para tomar posse de seus bens, já que ela não pagava suas dívidas. Por fim, no final de junho prenderam Lorenzo Naro, o marido dela. Ela, logicamente deu uma desculpa de que havia sido um engano. Mas tínhamos certeza de que não. Ele deve ter sido solto após o pagamento de uma fiança. Mas, para nós, já estava claro: tínhamos caído na rede de estelionatários. Era melhor sair dali o mais rápido possível.

Até tu, Brutus?

Ao escrever esse relato fico chocada comigo mesma. Como pude me deixar levar por aquele discurso? Estava na cara que não terminaria bem! Como pude acreditar naquelas promessas vazias depois convertidas em picaretagem clara?!

A cartada final de Melanie foi levar-nos a assinar um contrato de um mês por todo o trabalho que tínhamos realizado em quatro meses. Eu olhava pra ela sem acreditar no que ela estava fazendo. Ela tinha um roteiro de enganação pronto, inclusive com ameaças referente à imigração, sendo que somos cidadãos europeus. “É sério que você nos acha tão idiotas assim?” – eu pensava. Minha cara de espanto quando ela mostrou um contrato falso deve ter sido a mesma que ela fez quando percebeu que nós realmente íamos embora. E fomos. Ufa!

Ah… Não. Melanie Maria Kneip não nos pagou. Hoje, ela nos deve quase três mil euros, sem contar juros e correção. Nosso desejo pra ela? Que ela pague tudo o que ela deve a nós e às outras pessoas que enganou. E que Deus e os governos italiano e alemão cumpram com a justiça, dando a ela o que ela merece. Não… engana-se quem pensa que essas coisas só acontecem no Brasil.

Hoje, estamos gratos porque estamos bem e com saúde. Tanta coisa ruim poderia ter acontecido… Mesmo com todo o desastre desta experiência, vivemos ali dias felizes e de muito aprendizado. E quando Deus fecha uma porta, Ele abre uma janela. Mas isso é assunto para outro post…

Uma filmagem de um dia em que eu já estava *%$#$ e o Felipe ainda tinha paciência.

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

4 thoughts on “Um convite inesperado

  • Podem ser só ditado, mas é verdadeiro:” Há males que vêm pra bem” e “Mais tem Deus pra dar do que o diabo pra tirar”.

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