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O expressar das ovelhas

#olhabempqbemtem… Ovelhas fazem mais do que méééé.

Sempre tive uma relação bastante platônica com ovelhas… Em primeiro lugar, meu nome significa “ovelha mansa” ou “mansa como uma ovelha” e cresci ouvindo isso…

Como nunca me achei muito mansa… Especialmente na adolescência, acabei adotando por minha própria conta e risco o apelido de “ovelha negra”… Achava que combinava mais comigo e com meus acessos de raiva… Lá em casa era sempre eu que começava uma briga.

Anos mais tarde, meu marido piadista tentou me explicar… Sim, ovelhas são mansas, mas vivem gritando e dando cabeçada por aí… Assim como você…

Aí chego para trabalhar em uma fazenda no interior (bem interior) da Alemanha. E o primeiro contato que tenho com animais é justamente com ovelhas.

Como chegamos até aqui, o que fazemos aqui, e pra que eles criam ovelhas é assunto de outros posts… Este aqui é para falar do Samson (em português, Sansão).

Samson: um cordeirinho que nasceu e não pode ser alimentado por sua mãe, Honya.

A Honya, uma ovelha negra, na verdade já é bastante idosa… Seus donos acharam que ela nem poderia engravidar mais… Mas ela engravidou, e não conseguiu produzir leite.

Como consequência disso, quando chegamos na fazenda, estavam todos mobilizados para amamentar o cordeirinho de 2 em 2 horas, com uma mamadeira.

Não se tratava apenas de pegar leite de vaca e colocar em uma mamadeira… Era preciso checar a temperatura e correr com a mamadeira até Samson e Honya antes do leite esfriar…

Um casal de australianos, que veio para ajudar na fazenda assim como a gente, estava bastante empenhado neste processo. Quando Monica e Janis chegaram, o cordeirinho ainda estava na barriga de sua mãe. Eles viram o cordeirinho nascer, se afeiçoaram a ele e lhe deram o nome de Samson…

Não cheguei a perguntar o motivo da escolha… Para mim estava claro que eles queriam que Samson fosse forte como seu chará bíblico…

Havia dias que parecia que Samson se recuperaria maravilhosamente… Em outros, sua fraqueza era tanta que motivou Monica e Janis a pedalarem 10 km até a cidade vizinha para comprar algo que pudesse servir para aquecer o cordeirinho durante as frias madrugadas alemães…

A mãe fazia de tudo para a recuperação de seu filho…

Honya não saía do seu lado de seu filhote, continuava tentando amamenta-lo, e dava seus mééés de desespero por não conseguir…

Mas o esforço em conjunto de todo o grupo foi em vão… Honya já sabia que o fim estava próximo… Como se estivesse desesperada no corredor de um hospital, balia alto e andava pra cá e pra lá… A cada aproximação nossa, ela balia ainda mais… Um pedido de socorro… Como se fôssemos médicos que poderiam salvar seu filhote.

Samson morreu após uma semana e meia de vida, muitas tentativas de amamentação e muita dedicação de seus donos que já sabiam que poucos cordeiros sobrevivem sem o leite de sua mãe…

Honya velou seu filhote por uma noite inteira. Na manhã seguinte, em meio a uma pequena floresta dentro do terreno da fazenda, Monica e Janis cavaram um pequeno túmulo para Samson.

Foi uma cena tocante e dramática.

500 metros separavam o local onde Samson jazia em um cesto vermelho e o local onde ele seria enterrado.

Honya balia alto, sofrida… Outra ovelha, que havia dado a luz no mesmo dia que Honya, mas que pode amamentar seu filhote, se aproximou. Baliu, olhou para o cesto e olhou para Honya numa clara demonstração de solidariedade. Baliu novamente em direção ao seu filhote saudável, já se alimentando de grama no meio do pasto… Ele baliu de volta, um mééé também sofrido, de quem compreendia toda a situação.

Não… Eu não sou e nunca fui do tipo “amiga e defensora dos animais”. Nunca tive muita proximidade deles… Nunca emiti frases comuns por aí como: “os animais tem sentimentos”, etc… Simplesmente não podia emitir opinião sobre o assunto… E continuarei sem emitir. Sentimento ou instinto, não importa.

O que importa é que foi emocionante. Senti-me em um velório real. Senti a perda da mãe. Senti a demonstração de carinho de todo o rebanho. E minhas lágrimas rolaram cheias de sinceridade e emoção.

Janis, que aparece na foto, colocou seu pequeno amigo na cova. Honya não quis olhar enquanto descíamos a terra sobre Samson. Mônica colocou as flores que havia colhido para marcar e enfeitar o túmulo… Os 4 humanos ali presentes lembraram como foi bom conhecer Samson. E, Honya, ao fim, voltou a balir e a cheirar o cesto vermelho, procurando por seu filho que já não estava mais ali. Foi de partir o coração.

Sempre achei que o fato do cordeiro ser uma figura recorrente na Bíblia se devesse apenas a recorrência das ovelhas em meio aos judeus daquela época… Hoje penso um pouco mais do que isso…

Ovelhas sabem se expressar muito bem.

É fácil observa-las e tirar exemplos do comportamento delas. Elas tem muito a nos ensinar.

E eu, mais do que nunca, fiquei feliz com o nome que tenho.

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

3 thoughts on “O expressar das ovelhas

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