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Um outro tipo fartura

#olhabempqbemtem Ter consciência daquilo que se come. Ter uma alimentação autossustentável.

Corrijam-me se eu estiver errada, mas para nós, brasileiros, fartura tem mais a ver com quantidade do que com qualidade. Tem mais a ver com variedade e, comumente, com comer mais do que deveríamos.

Acredito que um bom exemplo para ilustrar isso seja a popularidade de restaurantes do tipo self-service e do tipo rodízio em nosso país. Em cidades grandes, em cidades pequenas, nos restaurantes das rodovias…

Brasileiros também são muito festeiros… E em nossas festas, novamente, não pode faltar comida. Não basta mais terem os salgadinhos. Já faz tempo que festa do estilo “apenas coquetel” são tidas como “pobres”. É preciso ter pratos mais elaborados, ainda que no esquema “miniporções”. Não importa se são casamentos, festas infantis ou festas organizacionais…

Muitas vezes soma-se a esses hábitos um incrível endividamento! Porque comer custa caro… Comer à vontade custa mais caro ainda. E é comum vermos pessoas bem limitadas financeiramente juntando tudo o que pode e o que não pode para pagar grandes festas para os seus filhos e seus convidados.

Pois bem… O intuito deste post não é criticar o estilo de vida de milhões de brasileiros.

Mas será que precisa ser assim? Outras escolhas podem ser feitas. Existe outros tipos de fartura.

Quem me conhece de perto sabe que comida para mim é papo sério. Não como por necessidade. Como por prazer.

As pessoas que me cercam cozinham muito bem: mãe, avós, tias, irmãs, marido, sogro e sogra! E, para a minha família, comida sempre foi motivo de celebração. As refeições sempre foram feitas à mesa, com todos juntos. São momentos de confraternização.

Isso fez com que eu me tornasse uma pessoa bastante exigente nesse quesito. Não é qualquer comida que me agrada e eu sei avaliar sabores e temperos.

Ainda assim, não lembro de ter me alimentado tão bem como tenho me alimentado aqui, na casa da Família Luft. Isso porque, para uma pessoa que sempre viveu na cidade grande, nunca foi possível comer alimentos tão frescos e tão bem selecionados.

Imagine que o seu supermercado é o seu quintal. Chega de caixas lentas e mal humoradas, chega de alimentos industrializados. Tudo (ou quase tudo) o que você precisa para uma boa refeição está no seu jardim ou na sua despensa.

Hoje, nosso almoço foi composto por batatas cozidas colhidas por nós na semana passada. Com vagem e tomates colhidos hoje pela manhã, poucos minutos antes do almoço. E, para completar, um delicioso molho de bacon com cogumelos colhidos na floresta há duas semanas pelos workawayers australianos que estavam aqui antes de nós.

O café da manhã em geral é composto por leite fresco vindo da fazenda vizinha; ovos que as galinhas daqui colocam diariamente; geleias e patês feitos pela dona da casa com as mais diferentes frutas e animais daqui… Que podem ser devidamente armazenados e estocados por anos, sem nenhum tipo de conservante!

Acreditem, os alimentos tem muito mais sabor!

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Mas há de se ter parcimônia.

A perspectiva numa fazenda autossustentável é bem diferente. Não dá pra comer o que se está com vontade de comer. Você come o que está disponível para comer e na quantidade que tiver. Mas isso é interessante…

Lembro-me que, quando era criança, sempre pedia para a minha mãe comprar morangos. E ela respondia: “Não dá, filha. Não está na época… Morangos só em maio e junho”. E, quando chegava a época dos morangos, eu ficava tão feliz!

Hoje, numa cidade grande, podemos comer morangos quando quisermos! Aliás, para comermos qualquer coisa, saímos e vamos a um restaurante; ou compramos no supermercado; ou pedimos para entregar em casa. Se eu quero comer algo e minha companhia quer comer outra coisa, uma restaurante self-service resolve o problema.

Numa visão simplista, podemos pensar: “Mas isso é ótimo, não?”

O problema disso é que nos tornamos mimados. E então perdemos a dimensão da dificuldade e do trabalho que existe por trás daquele alimento. Desconsideramos o fato de que o morango gostoso é aquele dos meses de maio e junho. Aliás, com o passar do tempo, até esquecemos o verdadeiro sabor que o morango tem.

Aqui não é assim…

Estamos aqui em outubro. Não comeremos morangos… Só em geleias. Mas comemos uma framboesa tardia que, como minha avó diz: “estava que era pra comer de joelhos”! Tão doce e apetitosa!

Não vamos comer as alfaces de inverno sobre as quais falamos no post Os cuidados de uma horta, mas comemos outros tipos de alface… E maravilhosos tomates e manjericões que são mantidos em estufas.

Tivemos uma ótima colheita de batatas. Mas elas não serão comidas todas agora… Elas durarão todo o inverno e até mais que isso! Acreditam? Simplesmente armazenadas em caixotes no porão que tem um certo controle de temperatura.

Amanhã colheremos nosso amado feijão preto! Mas não o comeremos… Porque primeiro eles precisam secar, para depois ficarem de molho e serem cozidos.

E os animais?

Os animais são super bem tratados e, um dia, serão comidos. Mas eles não são a base da alimentação. Eles são um luxo. Come-se ou porco, ou pato, ou coelho ou frango em dias de celebração.

Chegamos a participar de um churrasco aqui. Foi delicioso! Mas tão diferente do churrasco brasileiro…

O momento foi de confraternização com toda a vizinhança, com direito a todos sentados em volta da mesa e também com direito a uma grande fogueira para nos aquecer do frio… Mas afora os acompanhamentos, havia apenas 3 tipos de carne de porco, em porções mais ou menos contadas de acordo com o número de participantes do churrasco. Mas era exatamente a quantidade que deixariam todos satisfeitos. Nem mais, nem menos. Sem exageros.

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Algumas pessoas ficaram espantadas porque eu disse no último post que matamos e depenamos quatro patos. Sim, e não comemos nenhum. Eles foram guardados para ocasiões especiais ou para o inverno.

Se comparada com uma alimentação brasileira padrão, aqui come-se muito menos carne. E, quando se come, come-se com respeito.

Nas palavras do próprio dono da casa: “Quando você sabe o trabalho e o custo de criar um animal… Quando você sabe o trabalho e o custo de matá-lo e tê-lo em sua própria mesa, você percebe que tem alguma coisa errada com o preço que eles vendem “o mesmo produto” no supermercado. É barato demais para o custo que se tem”.

Mas a família aqui não é radical com relação a isso. Lógico que, se faltar algo que eles querem muito comer, eles vão comprar no mercado. Mas pra quê? Quando se tem tantas opções deliciosas no seu jardim?

Aos poucos eles foram descobrindo que não podiam mais pensar no almoço ou no jantar com base em suas vontades. Eles fizeram o caminho oposto… Começaram a pensar: “O que tenho aqui disponível pra hoje?” E então passaram a cozinhar com base nisso.

Afinal, a graça é exatamente esta!

Fartura e abundância é você ter tudo do bom e do melhor à sua disposição. Mas em quantidades menores e com muito suor do seu trabalho.

Quando você adquire essa dimensão, sua relação com a comida muda completamente. E pra melhor! Tudo tem mais sabor!

E olha bem que curioso… Conversando sobre as deliciosas comidas com os donos da casa, eles disseram que, para eles, o momento da refeição era sempre uma celebração. Exatamente como é para mim e para minha família! De país para país, isso não muda em nada!

O que muda é o senso de responsabilidade de cada um. No Brasil, muitas pessoas passam por grandes necessidades, inclusive alimentares. Enquanto outras, estão constantemente participando de verdadeiros banquetes.

Aqui na Alemanha, as desigualdades sociais são ínfimas e, estatisticamente falando, ninguém passa fome. Em contrapartida, acho que a maioria dos alemães se espantaria muito se acompanhasse a forma como as classes mais favorecidas se alimentam no Brasil.

Que possamos refletir sobre esse novo tipo de fartura. Se não por interesse ou curiosidade, pela sustentabilidade. Pelo simples fato de que muito em breve o mundo exigirá isso de todos nós.

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

7 thoughts on “Um outro tipo fartura

  • Dirceu Amaro Jr

    Excelente a abordagem. Os princípios podem ser aplicados tranquilamente mesmo em nossas casas e apartamentos da cidade grande…mesmo não tendo o privilégio de comermos o que plantamos ou criamos…

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    • olhabempqbemtem

      Sem dúvida! E a cada dia, mais alternativas aparecem para quem vive na cidade grande. Basta termos consciência, e vontade de sair da zona de conforto!

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  • Lindo texto! Posso compartilhar em minha página???

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    • olhabempqbemtem

      Oi, Aline! Que bom que você gostou! Pode compartilhar sim. Mas conta pra gente qual é a sua página! Vamos adorar te acompanhar também!

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  • Lindo texto. Sustentabilidade e respeito. A quantidade de comida que jogamos fora pelo simples fato de deixar na geladeira e não comer… um desperdício que podemos evitar de fato.

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    • olhabempqbemtem

      Isso mesmo, Roanna! Precisamos mudar isso em nossas vidas…
      E sobre o lixo… Ainda escreveremos outro texto explicando como aqui todo o lixo é utilizado de alguma forma! =)

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