Na alegria e na tristeza (ou Aquele brilho no olhar)
#olhabempqbemtem …não perder aquele brilho no olhar. #olhabempqbemtem …na alegria e na tristeza.
Quando eu era pequena, eu acreditava em príncipes encantados. Acreditava em grandes e arrebatadores romances que durariam para a vida toda. Aos 4 anos de idade, como menina precoce que era e que sempre fui, eu já suspirava por fantasias, novelas, filmes… (E pelo Elvis Presley).
É curioso pensar que meus pais não incentivavam nada disso… Era algo meu… E astrólogos diriam que, como pisciana que sou, nada mais normal.
Depois disso, várias pequenas decepções amorosas… Olhando para trás, nada demais. Como pude dar valor àquilo?
Mas pensando naquele meu presente passado, era a morte… Choros desesperados, ao som de músicas mais chorosas e desesperadas ainda. Claro… Curtir uma fossa sempre fez parte do meu show!
O engraçado disso tudo é que nosso coração vai enrijecendo-se com o passar dos anos…
Por mais romântica ou romântico que você seja, depois dos 30 você sabe que a vida não é um mar de rosas. Você já viveu o suficiente para saber que relacionamentos são muito mais complicados (e menos engraçados) do que parecem ser nas comédias românticas… E, se você chega a duvidar de que poderá ser feliz ao lado de alguém, duvida ainda mais de que poderá amar esse alguém para o resto de sua vida.
Por ter cultivado meu olhar sarcástico e clínico ao longo da última década, às vezes fica difícil cruzar com aquela menina de 4 anos de idade que chegava a suspirar até pelo Sérgio Mallandro em Lua de Cristal! (Que vergonhaaaaa, meu Deus! hahaha) Às vezes, eu nem lembro que ela existe.
Mas na vida a gente continua aprendendo… Basta a gente querer.
E, dessa vez, mais uma vez, quem me ensinou foi o S. Adalberto: o meu sogro de 82 anos.
Eu queria desesperadamente trabalhar. Tenho sido perseguida por uma urgência constante… Mas não podia. Em casa, estávamos apenas S. Adalberto e eu… E ele, recém saído do hospital, com a memória bastante debilitada, não entendia os deveres que eu mesma havia colocado sobre mim.
S. Adalberto precisava e queria atenção.
Ele estava injuriado com a ausência de sua esposa. Não entendia porque ela tinha saído sem ele. Não entendia porque ela não voltava. E não adiantava eu dizer que ela já ia voltar. Ele se esquecia de minha resposta e voltava a perguntar.
Respirei fundo, sentei, o abracei e conversei. Na maior parte do tempo, apenas ouvia. Muita coisa não fazia sentido ou ainda estava sendo elaborada de forma bastante confusa… Mas eu ouvia, concordava ou reformulava delicadamente, sem que ele sequer percebesse… Como se estivesse pisando em ovos.
Finalmente, o convenci a almoçar. Preparei a comida, montei um prato com carinho, daqueles que só a minha vó montava para o meu avô… E torci para que ele comesse.
Ele comeu. Elogiou. E disse: “Poxa, Rachel, eu estava aqui chateado pensando como ia ser isso de almoçar sem a Sandra. Porque ela sabe como eu gosto e do que eu gosto. E mais ninguém”.
Fiquei tão feliz. Há poucos minutos, ele era só reclamações porque a Sandra não estava ali. Agora, ao lembrar-se do cuidado que ela tem para com ele, seu semblante mudara.
Eu disse: “Está vendo, S. Adalberto? Não reclama da Sandra, não… Ela tem cuidado tanto de você, com tanto amor e carinho… Tem sido tão difícil pra ela”. E ele respondeu com a lucidez que lhe faltava: “É mesmo”.
Aí a menina de 4 anos apareceu e, com aquele sotaque bem curitibano, resolveu colocar para o S. Adalberto ouvir a música que ela sabia que tinha sido a trilha sonora do romance de Sandra e Adalberto lá no início da década de 80.
Chove lá fora e aqui, tá tanto frio
Me dá vontade de saberAonde está você
Me telefona
Me chama, me chama, me chama
Ah… S. Adalberto vibrou. Cantou. Terminou de almoçar feliz e foi tirar sua soneca agradecido. Sentei e pensei: “Oba, agora vou trabalhar!”.
Mas logo ele voltou…
Pediu desculpas por me atrapalhar, mas precisava contar porquê ele não gostava mais tanto daquela música… A música dizia: “Me chama”. “Mas onde estava a Sandra que não chamava nem ligava pra ele?”.
Eu morri de rir. Ri bem alto! Ah, S. Adalberto… Seu senso de humor está mesmo intacto!
E a isso seguiu-se uma linda e lúcida narrativa sobre uma história que eu já conhecia de outros carnavais… Sobre como ele e Sandra tinham se conhecido e sobre como ele se apaixonou. E enquanto ele falava, eu via tudo no brilho do seu olhar. E que brilho!
Com aperto no coração, lembrei de meu falecido e eterno avô que sofreu anos com o Alzheimer, mas que apresentava o mesmo olhar apaixonado quando falava de minha avó. E meus olhos encheram-se d’água.
Pensei: “É… Aquilo que há de mais importante, não se vai…”.
Como é bom pensar que o companheirismo, a admiração, o respeito e, acima de tudo, o amor sobreviveram ao longo de tantos anos e provações! Como é bom manter aquele brilho no olhar…
Dessa vez, fui eu quem agradeci o S. Adalberto pela linda história. Agora, ele realmente fora dormir. E a convencida menina de 4 anos apareceu de novo para me cutucar e, com a mão na cintura e o dedo apontado pra mim disse: “Eu bem que te avisei, né? O amor existe, sim, tá?”.
Rachel Jaccoud Amaro Mendonça
Trilha sonora deste post:
Simplesmente lindo e emocionante. Privilegiado por viver próximo a essas pessoas tão bonitas e especiais.
=) Eu também me sinto privilegiada por ter a oportunidade de viver ao lado deles! Muito obrigada por seu comentário, Dirceu!
Nossa, Rachel! Não posso mais ler seus posts. Esse me fez chorar muito, de soluçar !! Me identifiquei muito. E pra piorar, lembrou meu pai que está na mesma situação do Sr. Adalberto. E eu não posso estar muito presente na vida dele. E minha consciência e coração sofrem com isso.
Oi, Livia! É muito bom saber que de alguma forma as pessoas se identificam com meus textos, reflexões e experiências. Continue lendo, sim! Fico sempre muito feliz com seus comentários! E espero do fundo do meu coração que seu pai melhore. Não se sinta culpada… Mas busque formas alternativas de estar perto e de demonstrar seu carinho, mesmo que seja a distância ou através de suas orações. =)
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