Comportamento

Para a minha vovó

Primeiro, achava que não era tão importante pra ela… Eu não era a neta mais bonita, não era a mais próxima, não era a mais educada, nem a mais prendada. Eu nunca seria elegante como ela, jamais cozinharia tão bem. Meus parâmetros eram outros. E aqueles pareciam-me inatingíveis. 

Os anos se passaram com muito carinho mas uma certa distância entre nós. A vida a trouxe para perto de mim no momento em que fracasso era meu nome e sobrenome. E, coincidentemente, no momento mais difícil da vida dela, no momento em que ela mais precisava de todos nós. 

Mas eu queria fugir. Afinal, como lidaria com mais aquele revés? Como agravaria a situação da minha vó mostrando-a de perto meus piores defeitos, fraquezas e angústias? Como poderia lhe dizer que não era capaz de ser quem eu achava que ela gostaria que eu fosse?

Foi nesse momento que Deus enviou alguém para não me deixar ir. Ele me fez ficar e também ficou comigo. E ele soube agir como minha vó precisava que agíssemos. Ele deu carinho, deu ouvidos, deu cuidados ao meu avô. Em troca, eu recebi colo, recebi abraço, recebi conforto e a admiração de minha vó. Sem críticas, sem espanto, sem hesitação. E, por fim, ela ganhou mais um neto.

Aos poucos descobri que ela não era bem aquilo que eu achava que fosse.

Ela era muito mais eu, e eu era muito mais ela. A vida tinha nos traçado rotas diferentes. Mas, ao me olhar no espelho, eu via seus olhos criteriosos, críticos, sagazes, que anseiam pela melhor versão de nós mesmos. Ao me olhar no espelho, eu desejava ver aquela sabedoria que ela tinha, e que só a idade nos promove. Já ela, ao se olhar no espelho, via os sonhos que nem sabia que tinha e que poderia ter. Ao se olhar no espelho, ela via a força e a determinação que se esvaíam a cada frustração oferecida pelos anos. 

Descobri que ela me admirava, tanto quanto eu a admirava. “Muito. Muito”. – Ela insistia em me contar sempre que me abraçava. 

Nossos últimos momentos juntas foram de sorrisos, confidências, lamentos, permanências e ausências. Nosso último abraço tinha sabor de último. Porque de alguma forma, ela sabia que não nos veríamos mais. Ela não queria mesmo. “Já chega de viver”, – ela me dizia.

Será possível guardar na memória aquele aperto, aquele cheiro e aquele sussurro para sempre?  

Hoje eu sou uma pessoa pior por não tê-la para me espelhar. Hoje eu sou uma pessoa pior por não ter sua admiração, seu carinho e suas orações. 

Mas sou melhor, sem dúvida, por tê-la tido em minha vida. Por seu exemplo de aceitação, vulnerabilidade e amor. 

Obrigada, vovó. Te amo também. “Muito. Muito”. 

Rachel Jaccoud Amaro

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Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

6 thoughts on “Para a minha vovó

  • Liinda reflexão, sensível e delicada. Amei !!!

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  • Luana Ribeiro

    A sensação que tenho de perder um ente querido é como perder um pedaço de nós. Jamais seremos os mesmos, mas seguimos firmes por eles, por tudo que nos ensinaram. Já faz três anos que perdi a minha vó e ao fechar os olhos ainda sinto seu cheiro, seu abraço e ouço a sua voz “Dona Lulu”, como me chamava. E é assim que hoje ela vive em mim: nas minhas memórias, lembranças e no coração. E é assim que a sua avó viverá também. Pra sempre. Força e coragem!

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    • É assim que eu me sinto também, Luana. E conforta-me saber que de alguma forma minha vozinha viverá para sempre em mim também. Muito obrigada por seus votos e palavras de conforto. Amo ler seus comentários. =)

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  • Que texto mais lindo, Rachel!!!!!!
    Parabéns pela força para escrever sobre sentimentos tão profundos e pela sensibilidade de sempre!!!

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