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Ensinamentos de uma limitação

#olhabempqbemtem …Em certas ocasiões que nos apresentam limitações.

No último mês, viajamos pelo Peru e o primeiro texto da série, você confere em Reflexões em uma faixa de pedestre. Este é o segundo.

Andávamos pelas ruas de San Blas, um bairro em Cusco, Peru, com grande concentração de estúdios e galerias de arte. É um belo bairro, com muitas ladeiras, vielas, quadros e esquadros. Para quem gosta de fotografar, um excelente cenário.

De fato o lugar me inspirou. E fui registrando muitas fotos. Detalhes e ângulos de escadas e corrimãos. Placas, portas e janelas. Esquinas, subidas e decidas.

De repente, passamos em frente de uma grande casa, com uma das bandas de seus portões abertos. Olhamos para dentro. Uma senhora vestida com as roupas típicas da região, seguindo a tradição quechua, estava sentada como se estivesse aproveitando o sol daquela manhã.

Como bons turistas que estão visitando um novo país e prestando atenção a cada detalhe, voltamos uns passos para trás para olhar com mais atenção tudo isso que havia passado rápido em nossa caminhada.

Eis uma casa com arquitetura cuidadosa, bela e tipicamente cusquenha / espanhola: um pátio quadrado central, sacadas ao entorno. Adicionalmente, tudo cuidadosamente arrumado como em uma exposição. Parecia um museu, mas era uma galeria de arte, dedicada ao trabalho do artista popular peruano Antonio Olave.

Apenas uma

Fomos entrando, nos aproximando da senhora que estava no pátio, de frente para um belo chafariz. Perguntamos se podíamos entrar e se era necessário a compra de algum ingresso. Não era.

Adentramos em uma porta que nos levava a uma sala repleta de esculturas, quadros, vasos e muitos trabalhos de arte religiosa: santos, altares, imagens de diferentes tamanhos que dialogavam com a tradição artística cusquenha e, ao mesmo tempo, seguiam um estilo próprio.

A essa altura um outro senhor já estava neste espaço, certamente para ajudar, tirando dúvidas, caso fosse necessário. Depois de uma caminhada ponta a ponta daquela grande sala em formato de “U”, perguntei ao senhor se poderia tirar fotos. Foi então que ele respondeu dizendo que eu poderia tirar apenas uma foto.

Neste instante, percebi a grandeza daquela limitação. Ainda mais nos tempos de hoje! A poucas décadas atrás, quando queríamos tirar fotografias, tínhamos os famosos filmes de 12, 24 poses ou 36 poses… Ou seja, esse era o número de fotos que poderiam ser tiradas. Nada mais.

Ao final, as fotos que tínhamos eram em número ainda menor que estes. Afinal, sempre tinham aquelas que queimavam, ou que não ficavam realmente boas.

Um exercício de atenção

Ser limitado a registrar apenas uma cena, um momento, uma obra, uma foto, fez-me pensar em duas coisas. A primeira foi o contraponto com os dias de hoje. Hoje é tão fácil registrar fotos e vídeos. Estamos fazendo isso a todo momento, se não com câmeras, com nossos próprios celulares. Nem prestamos realmente atenção no registro em si ou na necessidade de registrá-lo.

Meu segundo pensamento, portanto, foi como aquela limitação abriu minha cabeça para detalhes que muitas vezes passam despercebidos por causa da abundância de “cliques”. Afinal, tirar apenas uma foto me convidava a observar com mais atenção os detalhes e o local onde eu estava.

Diante de tal desafio, acabei parabenizando o senhor pela curiosa iniciativa. Sequer percebi que, na verdade, ele apenas protegia o acervo e trabalho artístico de sua família. Porque, afinal, ao prolongarmos a conversa, descobrimos que ali naquela galeria estava reunida boa parte do acervo de seu pai, o renomado artista já falecido, mas também todo o trabalho que continua sendo realizado por sua família. É dessa arte que eles vivem e por isso, inclusive, muitas peças estavam à venda.

Mas, independentemente de qual tenha sido o motivo, fato foi que a limitação levou-me a refletir e a prestar muito mais atenção no local onde eu estava. O que seria mais importante fotografar?

A grandeza de uma limitação

Para não esquecer da experiência ali vivida, resolvi registrar o local em si, e não uma das muitas obras do local. Também fiz essa escolha em respeito ao belo trabalho daquela família de artistas.

É claro que se você estivesse lá, você poderia ver de outro ângulo, faria outro registro, teria outro olhar. Afinal, cada um de nós tem os seus próprios porquês. Mas resolvi escrever sobre essa experiência como um convite para reavaliarmos algumas questões que podem estar em nossas vidas sem que nem sequer percebamos ou sem darmos a devida atenção.

Ao sair dali, o meu olhar para o bairro de San Blas em Cusco mudou. Toda a riqueza que o local já apresentava saltou ainda mais diante dos meus olhos.

Que em nosso dia a dia as limitações impostas possam nos chamar atenção para aproveitarmos melhor o que temos. Que limitações nos proporcionem atenção plena. Assim, nos aproximaremos mais dos detalhes e perceberemos que eles muitas vezes fazem toda a diferença.

Parece clichê mas, adaptando isso para a fotografia, às vezes uma foto poderá registrar muito mais do que outras tantas que são tiradas. Da mesma forma, pode ser mais importante o detalhe de UM olhar, UMA palavra carinhosa, UM gesto amigo. Às vezes, um único abraço pode ser muito melhor que mil palavras.

Muito obrigado e…

Luiz Felipe Sandins Mendonça

Trilha sonora deste post:
Esquadros – Adriana Calcanhoto

Luiz Felipe Sandins Mendonça

Luiz Felipe é um empresário com alma de artista. Desde 2019, ele ajuda pessoas a terem mais saúde e qualidade de vida através dos produtos da Omnilife. Dono de uma mente extremamente criativa, otimista incorrigível, é ele o criador do Olha Bem pq Bem Tem.

2 thoughts on “Ensinamentos de uma limitação

  • Cintia Caldas Alves

    Que linda reflexão, tão importante nestes tempos líquidos em que vivemos. Adorei! <3

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    • Muito obrigado Cintia! Palavras como as suas nos motivam, nos fazem ver que vale a pena compartilhar nossos olhares. Convido você a fazer parte deste propósito; com seus ideais, com suas reflexões em acreditar que podemos habitar em um mundo melhor. Um mundo do bem! Depende de cada um de nós e tenho certeza que vc tem em seus pensamentos inspiração suficiente para fazer parte deste mundo que desejamos. Mais uma vez muito obrigado… Luiz Felipe.

      Resposta

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