Músicas do Bem

Dom Quixote (Engenheiros do Hawaii, 2003)

“Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas”

Como fã de Engenheiros do Hawaii desde muito pequena, sempre acompanhei os lançamentos da banda. E lembro como se fosse ontem a primeira vez que ouvi o álbum Dançando no Campo Minado. Corria o ano de 2003 e eu havia acabado de entrar na faculdade de História. Vivia muitos sonhos, os dias adquiriam muitas cores. E a música “Dom Quixote” foi amor à primeira vista (ou melhor, amor à primeira ouvida).

Isso porque era daquelas músicas que caíam como luva, que pareciam traduzir todos os meus sentimentos, que tinha tudo a ver com quem eu acreditava ser, e com quem eu queria ser… E como um hino que precisa ser periodicamente entoado, esta música nunca mais deixou de me acompanhar.

“Muito prazer, meu nome é otário
Vindo de outros tempos, mas sempre no horário
Peixe fora d’água, borboletas no aquário
Muito prazer, meu nome é otário
Na ponta dos cascos e fora do páreo
Puro sangue, puxando carroça”

É que sempre vivi com um sentimento profundo de inadequação: na escola, na família, na igreja, (mais tarde, na faculdade e no trabalho também). Não importa. Sempre um peixe fora d’água. Sempre com a sensação de que pertenço a outra época, a outros dias. E, mesmo assim, sempre seguindo regras e respeitando os dias que julgo não fazerem sentido. “Muito prazer, me chamo otária também!”

“Um prazer cada vez mais raro
Aerodinâmica num tanque de guerra
Vaidades que a terra um dia há de comer
Ás de Espadas fora do baralho
Grandes negócios, pequeno empresário
Muito prazer, me chamam de otário”

Em muitos sentidos, é irresistível. Porque fazer diferente e fazer a diferença não são necessariamente ambições quando você acredita que este seja o seu dever. Ou, quando isso te causa uma constante inquietação.

Ouvi essa música infinitas vezes. Já apresentei-a a muitos amigos. E, finalmente, resolvi compartilhá-la aqui. Aqui, neste blog, que também é um amante das causas perdidas. Aqui neste blog que à primeira vista pode parecer bobo e ingênuo. Mas que, ao final, insiste em olhar o óbvio de forma tão singular até encontrar nele o que não é tão óbvio assim. Pelo contrário, é até difícil de ver.

“Tudo bem, até pode ser
Que os dragões sejam moinhos de vento
Tudo bem, seja o que for
Seja por amor às causas perdidas”

A música Dom Quixote faz referência ao episódio narrado por Miguel de Cervantes em famoso livro homônimo da literatura espanhola. No livro, Dom Quixote de la Mancha confunde moinhos de vento com gigantes, apesar de seu fiel escudeiro tê-lo avisado sobre a realidade. O clássico é repleto de ironias e coloca-nos a pensar de que forma vale a pena viver e até que ponto a loucura também não faz parte de certa lucidez.

“Por amor às causas perdidas”

Compartilho essa música do bem hoje pela beleza de sua letra e pela companhia que ela me faz em momentos de solidão. Compartilho não antes, mas agora em que sou invadida por esses tempos reprimíveis, deprimidos e incertos… Logo agora que, em meio a minha própria loucura, insisto em lutar contra moinhos de vento.

Ao fim, ao cabo, no livro, na música e na vida, se não for por amor às causas perdidas, não teria tanta graça.

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Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

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