Comportamento

Dirceu Amaro

Para mim ele foi perfeito. Depois que crescemos, é normal a gente perceber os defeitos daqueles que mais amamos enquanto éramos pequenos. Mas, como avô, Dirceu Amaro, o meu vovô, foi indefectível.

De meu avô ganhei os melhores presentes.

De meu avô ganhei os melhores presentes: a minha primeira Bíblia, a minha segunda Bíblia, e também a terceira e a quarta. Brinquedos que faziam meus olhos brilharem e que me acompanharam durante toda a minha infância. Uma festa de quinze anos, uma viagem para a Disney e a oportunidade de estudar no colégio para onde todos os meus amigos foram.

Foi também o meu avô quem me apresentou aos livros. A casa dele era repleta de enciclopédias que eu passava horas folheando. Uma delas, sobre a História do Brasil, foi uma importante semente plantada no coração da Historiadora que surgiria anos mais tarde. Ele leu para nós as Reinações de Narizinho e as Caçadas de Pedrinho. E depois de termos passado muitas tardes procurando pelo Wally, dei-me conta de que era um privilégio enorme ter a minha disposição todos os romances de Machado de Assis e tantos outros clássicos da Literatura Brasileira. E foi por tudo isso que a ele dediquei minha Dissertação de Mestrado.

Meu avô também foi referência na música. Aliás, nele se reduz quase todo o meu conhecimento da música italiana e francesa e também de Luiz Gonzaga, sendo minha preferida o Xote das Meninas que ele gostava de ouvir na vitrola, bem alto!

Claro que nem sempre nossos gostos combinavam. Ele não gostava dos programas matinais comandados pela Xuxa Bruxa, como ele dizia. Mas meu avô sempre foi um Democrata. E me presenteou com todos os LPs da Rainha dos Baixinhos, deixando-nos escolher nossos próprios caminhos.

Clássicos do Cinema? Também tínhamos! Ele estava ali para nos apresentar Mary Poppins, A Noviça Rebelde, Quo Vadis, Benhur, Os Goonies, Duro de Matar e Curtindo a Vida Adoidado. E quando o computador começou a entrar em nossas vidas, ele dominou-o antes de nós! Afinal, ele sempre vibrou com novidades, com a tecnologia, com o avanço do mundo, das coisas e das pessoas. Era um humanista, autodidata.

De meu avô ganhei o meu temperamento.

Às vezes, ele engrossava a voz e fazia tremer de medo quem estava em volta dele. A buzina soava e ouvíamos: “Sai da frente, Seu Murrinha!” Para mim, aquela era apenas uma referência de que estava tudo bem esquentar a cabeça de vez em quando. 😆🤷🏻‍♀️😅 Não me lembro dele ter me feito chorar uma vez sequer. Pelo contrário, eu chegava a chantagear meus pais dizendo que chamaria meu avô quando eles brigavam comigo. E cogitei ir morar com ele, quando ainda era adolescente e meus pais pensavam em morar nos Estados Unidos.

Na maioria das vezes, o vovô Dirceu Amaro era só mimos e encantos. Nas costas dele brincávamos de cavalinho. Pelas mãos dele, comemos as mais deliciosas mangas e mexericas. Foi ele quem me apresentou àqueles que hoje são meus restaurantes preferidos na cidade do Rio de Janeiro: Turino, Lareira, Siri.

Com o carro “Caidinho”, conhecemos todo o Rio de Janeiro e passeamos juntos em muitos finais de semana: Lagoa Rodrigo de Freitas, Floresta da Tijuca, Quinta da Boa Vista, Cristo Redentor! Só não dava pra contar com ele pra ir à praia. 😅

Ah… Sempre! Meu avô sempre tinha um elogio para me dar. Para ele, eu sempre estava bonita, elegante, inteligente, atenciosa. Os olhos dele sempre brilhavam ao me ver e diziam: “Minha primogênita”.

Para mim, ele sempre foi perfeito. Político experiente, de sua boca nunca saiu nem uma única palavra em defesa do atual presidente da República. Ao contrário, ele me disse que eu deveria ficar no país para lutar contra aquilo que eu não achava certo. Meu avô nunca me decepcionou.

Prece ao vento

Eu não consigo lembrar de ter sido ninada pelos meus pais. Mas me lembro como se fosse ontem de ter sido embalada nos braços do meu avô, enquanto ele cantava a Prece ao Vento. Não é que meus pais não tenham me ninado. Porém, meu avô fez isso até uma idade em que eu pudesse, de fato, me lembrar.

Dele, eu sempre tive ciúmes. Tive ciúmes quando meus primos mais novos nasceram. Também tive ciúmes sempre que ele brincava com alguma outra criança bonitinha na rua. E tive ciúmes até quando os irmãos e irmãs da igreja o adotaram como avô. Agora, tenho ciúmes dele estar nos braços do Pai.

Sempre estive ciente do privilégio de tê-lo tão perto. E perdê-lo agora, faz de mim uma pessoa menos forte. Órfã em muitos sentidos. Mas a vida continua e eu sei que muito dele ainda vive em mim.

Descanse em paz, vovô querido. Muito obrigada por você ter sido tão importante para mim. Muito obrigada, Deus, por eu ter tido o privilégio de ter Dirceu Amaro como avô.

Trilha Sonora deste post: Prece ao Vento

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

2 thoughts on “Dirceu Amaro

  • Belíssima homenagem, Rachel! Com certeza um privilégio e tanto! Lembro com nitidez de uma manhã em que fui até a casa deles e você estava lá… bebê, primeiríssima neta e ele brincava contigo de carrossel! Achei o máximo aquele ” invento” e claro, já o imitei com meus sobrinhos, com o Filipe e a Thaís rsrsr.
    Um beijo com muito carinho.
    Nando.

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    • Ah… Nando… Muito obrigada pelo carinho e por compartilhar essa lembrança com a gente. Fiquei muito feliz em saber. =)

      Resposta

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