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Dias de mãe, dias de filha

Havia sido um ano muito difícil, repleto de enfermidades, perdas inestimáveis e muita distância. Nós nos falávamos quase todos os dias, mas não era a mesma coisa. Ela e eu não víamos a hora de nos abraçar, bem forte, como um imã que quando  encontra sua outra metade, fica difícil de soltar.

Pelas nossas conversas, ela sabia que eu sentia falta de seu colo de mãe, sentia falta de mimos, do conforto de estar em casa, aliás… de ter casa! Em geral, eu não me permitia reclamar de nada do que nos havia passado ao longo daquele ano, mas com ela era diferente. Com ela, eu desabava e desabafava meus maiores medos, sufocos e angústias… Ah… que carga pesada… Que injusto para com ela… Mas ela estava sempre ali, forte, quase sempre chorando mais que eu do outro lado da linha, mas aguentando cada um de meus lamúrios.

Conforme se aproximava o grande dia, fazíamos inúmeros planos, cardápios, encontros, viagens… Como viver todo um ano não vivido em apenas poucos meses? Não sabíamos, mas alimentávamos, ansiávamos por isso. E, ainda que com tantas limitações ao nosso redor, o mais importante aconteceria: estaríamos finalmente juntas.

Mas ela preparara outras surpresas. Quando cheguei, encontrei seus braços abertos, mas também a casa cheirosa, e repleta de referências à minha própria casa, àquela que um dia havia existido. Antigos tapetes, porta-retratos, roupas de cama e banho diziam que, sim, eu estava em casa. E dormiria no melhor quarto por todos aqueles meses, com conforto de princesa, aproximando-me da vida que um dia eu tinha tido, mas que havia então abandonado. Eu chegara para reinar, mas a rainha era ela.

A felicidade dela era a minha felicidade

Ela, de fato, não se importava. Porque estava muito feliz de me ter ali. Não se importava, porque fazia-lhe feliz me ver feliz. Fazia-lhe feliz me encher dos mimos que durante um ano eu não tinha tido. Por outro lado, a princípio, foi difícil receber tanto amor. É que as dificuldades da vida podem endurecer um pouco nosso coração. Mas logo passou. O amor da minha mãe tem o poder de nos derreter tal como um pudim de leite daqueles bem lisinhos… Entendi que para retribuir tanto carinho eu precisava apenas ser eu mesma. E fui, com todas aquelas qualidades e defeitos bem particulares e genuínos, que só quem mora junto conhece.

Eu tirei as coisas do lugar, mas depois até consegui arrumar armários e guarda-roupas. Injetei ação, incentivei sonhos. Ela fez algumas coisas que nunca tinha feito antes. Voltaram os banquetes em família e muitas risadas preencheram as paredes da casa. Juntas, resgatamos e revivemos o companheirismo que sempre existiu entre nós. Fizemos compras, fomos no salão de beleza, assistimos dramas coreanos e americanos, falamos mal do governo, criamos um universo bem particular.

Os meses ali, em casa, foram maravilhosos, cheios de amor. Aos poucos, fomos nos acostumando tanto uns aos outros, ao conforto e ao bem-estar que tornou-se ainda mais difícil dizer tchau. Eu sei que, se ela pudesse, realmente nos levaria por toda a vida embaixo de suas asas. Mas ela é muito sábia. Sabe que não pode e que não deve. Por isso, ela sempre me deixou voar, mesmo quando eu sequer imaginava que isso seria possível. Sinto sua falta todos os dias. Mas saber que ela está sempre torcendo por mim, dá-me forças para ir cada vez mais longe.

Obrigada, mãe. Fui voar um pouquinho, mas logo volto. Te amo.

P.S. Escrito no dia das mães de 2021, em homenagem à melhor mãe do mundo, a minha. <3

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

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