Ciclos da vida

#olhabempqbemtem… Termos consciência de nossa fragilidade. Termos consciência de nossa lucidez.

Como é bom ter braços e pernas para poder caminhar sem medo nas ruas, estejam elas conservadas ou não. Como é bom ter força para aguentar o peso de uma sacola de compras ou qualquer outro objeto que tenho que movimentar ou carregar.

Como é bom ter inteligência suficiente para tomar decisões de qualquer natureza. Pois ainda que eu não domine certos assuntos, saberei que precisarei de ajuda para solucioná-lo.

Como é bom poder conversar, dialogar com um companheiro, um amigo, uma pessoa a quem desejamos bem. Aquelas conversas boas, quando nem sentimos a tarde passar. Por outro lado, sentimos o desenrolar do assunto que se estende e se perde, sem que nos percamos, e sem saber onde estamos.

Inúmeros momentos de lucidez. Muitas lembranças.

E, de repente, abre-se um cenário completamente diferente, totalmente oposto, bem diante dos meus olhos…

Eis que braços e pernas agora estão descoordenados. Aquelas pernas que antes eram firmes e livres de hesitação, agora cambaleavam, esbarravam-se, vacilavam sem suportar o corpo que por tantos anos carregou.

Aquelas conversas cheias de conselhos lúcidos, já não fazem mais tanto sentido. Vejo-me tendo que dar explicações óbvias. Vez ou outra, perco a paciência… Mas a recupero, em nome de todas as vezes em que ele foi paciente comigo. Respiro fundo.

Observo com dor a aflição daquele que antes não parava. Vivia cheio de projetos e desafios. Todavia, agora não sabe muito bem para onde vai, nem o que vai fazer.

Meu pai, meu herói.

Era assim que eu via o meu pai. É assim que eu ainda o vejo… Afinal, foi dele que vieram os meus melhores exemplos, os meus melhores momentos, os meus melhores sonhos.

Até a alguns meses atrás, aos 82 anos, meu pai ainda fazia atividades que não são muito comuns para a idade dele: dirigia carro na cidade e na estrada, pilotava moto, cozinhava, plantava, continuava a construir a casa a qual ele gostava tanto de se dedicar. Embora há muitos anos aposentado, nunca deixou de ser ativo. Sempre foi a referência do “faz-tudo” em nossa família. Entendia de elétrica, hidráulica e pintura. Construiu nossa casa, inventava engenhocas e consertava outras: geladeira, TV e até violão.

Dono de um senso prático, nada para ele era problema. “- É um violão que você quer? Eu lhe farei um violão!” Foi o que ele fez, certa vez, para um dos meus irmão. (Pena eu nunca ter visto essa relíquia!)

E foi em meio a estas muitas atividades que, reparando algo no telhado da casa em que morava, ele caiu. Já contamos um pouco dessa história em Na saúde e na doença, Na alegria e na tristeza e em O amanhã pode ser inspiração para hoje, dentre outros.

Ciclos da vida

Aquela queda foi o fim de um ciclo. Mas demorou para que eu me desse conta disso. A consciência vem aos poucos, devagar, cada dia mais… Às vezes através de um olhar, ou de um toque, ou de uma palavra. Às vezes por causa das inúmeras atividades que eu tive que assumir para ele.

Entretanto, ele insiste em me ensinar. Com toda sua confusão, com toda sua limitação, ele está sempre sorrindo, sempre preocupado, cuidando de mim.

E porque ele insiste em me ensinar, resolvo dar mais valor à minha atuação no trabalho, aos meus atributos, aos meus movimentos, a minha saúde, a minha lucidez.

Que a cada dia tenhamos mais consciência desses privilégios.

Muito obrigado e #olhabempqbemtem

Luiz Felipe Sandins Mendonça