Brasil

Chico Mendes

Ou… 3 motivos porque todo brasileiro deveria conhecer Chico Mendes.

O atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em entrevista ao Roda Viva no dia 11 de fevereiro de 2019, disse que “nunca tinha visitado a Amazônia nem conhecia Chico Mendes, mas ouvira de gente “do agro” que o maior herói ambiental amazônico era um aproveitador que “usava os seringueiros”. Alguns dias depois, após sua fala ter sido muito criticada nas redes sociais (pegou mal, sr. ministro!), ele disse: “A discussão sobre o que eu acho do Chico Mendes é irrelevante”. Será mesmo irrelevante o ministro do Meio Ambiente não saber quem de fato foi Chico Mendes?

Este texto apresenta alguns fatos históricos sobre a trajetória do seringueiro e elenca 3 motivos pelos quais todo brasileiro deveria conhecer Francisco Alves Mendes Filho – o Chico Mendes.

#olhabempqbemtem …lutar pelos seus ideais, lutar sem violência, lutar pela preservação do meio ambiente.

Eu conheci o Chico aos sete anos de idade, lá nos idos de 1992. O ano letivo ainda não tinha começado, mas minha mãe acabara de comprar meus livros didáticos e eu fui afoita folheá-los. Em um de seus capítulos, vi uma árvore toda cortada. O livro falava das reservas extrativistas e contava a história de Chico Mendes mas não explicava a árvore cortada. Sem entender muito bem, fui correndo até a minha mãe perguntar porque faziam aquilo com a pobre da árvore.

Ela me respondeu dizendo que era assim que se fazia a borracha. Os seringueiros eram homens que cortavam o tronco das seringueiras para extrair o líquido que dele saía – o látex, matéria-prima para a borracha. Mas não havia mal algum nesta prática – ela me tranquilizou. As seringueiras depois conseguiam se recuperar daquele corte e viviam muitos e muitos anos. Ufa! – pensou minha versão de 7 anos – não havia nada de errado com o livro, afinal.

Aos sete anos, diferente de mim, meu amigo Chico não sabia ler

Chico Mendes nasceu em Xapuri, um lugar que a maioria dos brasileiros nem sabe que existe… Afinal, fica lá na Floresta Amazônica, no Estado do Acre, na fronteira com o Peru e a Bolívia, lá no fim do Brasil.

Nascido lá no fim do Brasil, no meio da Floresta Amazônica, Chico Mendes era filho de seringueiros. Aos doze anos de idade, começou a acompanhar o pai em sua rotina de trabalho. E então tornou-se um seringueiro também.

Escola? Ele não frequentava uma, porque não havia escolas em Xapuri nas décadas de 40 e 50. Naquela ocasião, a população daquela região era praticamente toda analfabeta: eles não sabiam ler, nem escrever, nem calcular e, por isso, viviam praticamente como escravos, sendo muito explorados pelos seus patrões. Mas, quando o Chico tinha 19 anos, seu pai recebeu um amigo em sua casa que, percebendo o interesse do jovem seringueiro em aprender, alfabetizou-o. Ensinou-lhe a ler e a escrever, a calcular e a entender o mundo ao seu redor. E isso fez grande diferença em sua vida!

Aos 32 anos, assim como eu, meu amigo Chico começou a lutar pelos seus sonhos

Agora imagine você a seguinte cena: você mora em uma floresta, a mesma floresta em que seus pais moraram. Daquela floresta você tira o seu sustento, naquela floresta está o seu trabalho. Um belo dia, você percebe que a floresta (e tudo o que ela representa para você) pode estar com os dias contados. Porque pessoas poderosas, grandes proprietários de terra, estão devastando áreas de floresta para transformá-las em pasto e investir na agropecuária. O que você faz? Senta e cruza os braços esperando a sua vida desmoronar. Faz suas malas e vai embora, praguejando a vida sem tentar resolver o problema? O Chico resolveu lutar.

E assim como os mundialmente conhecidos Gandhi e Martin Luther King Jr., Chico Mendes lutou sem violência.

Como? Imagine seringueiros, acompanhados de suas mulheres e crianças, caminhando juntos para os campos que estavam sendo desmatados, posicionando-se na frente das árvores de mãos dadas, como em um abraço coletivo, para impedir que elas fossem derrubadas. Foi assim, com uma manifestação pacífica, sem briga, sem armas, na conversa e no amor que os seringueiros convenciam capatazes e grileiros a darem meia-volta. A tática ficou conhecida como “empates”. Não havia vitória, mas também não havia destruição.

E perseguindo o seu sonho, Chico Mendes foi perseguido. Aos 41 anos, aprendeu que para toda derrota também existe uma vitória.

A capacidade de liderança e diálogo de Chico Mendes durante os “empates” fez com que ele se destacasse em meio aos seringueiros e fosse eleito vereador, ainda durante o Regime Militar. Durante seu mandato, entretanto, ele foi acusado de subversão por promover reuniões entre lideranças sindicais e religiosas em sua cidade, foi preso e torturado. Mas ele não desistiu. 

Apoiado pelos seringueiros e pela igreja, Chico Mendes acreditava que era possível preservar e usar a floresta ao mesmo tempo. Ele acreditava que era possível viver na floresta sem destruí-la. E foi a partir desse ideal que surgiu o conceito de “Reservas Extrativistas” (RESEX): espaços territoriais protegidos para assegurar os meios de vida e a cultura de populações tradicionais, bem como o uso sustentável dos recursos naturais da área”.

(Para saber mais sobre as reservas extrativistas, clique aqui).

Na época, havia uma pressão enorme para criação de estradas e aplicação de investimentos vindos do exterior. Mas Chico Mendes fez barulho e logo chamou a atenção de outros países. Assim, em 1987, Chico Mendes recebeu a visita de membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e denunciou-lhes que projetos financiados por bancos estrangeiros estavam devastando a floresta e expulsando seringueiros.

Chico também levou estas denúncias ao Senado dos Estados Unidos e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um dos bancos financiadores do projeto. Por fim, os financiamentos acabaram sendo suspensos e Chico Mendes foi acusado por fazendeiros e políticos locais de “prejudicar o progresso”. A opinião pública internacional, entretanto, não foi convencida disso e Chico Mendes recebeu vários prêmios internacionais, dentre eles o Global 500, oferecido pela ONU por sua luta em defesa do meio ambiente.

E para toda vitória, existe uma derrota…

Por seus feitos, Chico Mendes teve sua cabeça colocada a prêmio. E ele sabia disso, tanto que deixou cartas escritas e concedeu entrevistas, denunciando as ameaças que vinha recebendo.

Os pecuaristas não se conformavam com a perda de terras e com a proporção que o discurso de Chico Mendes estava tomando. As primeiras Reservas Extrativistas estavam sendo criadas, o discurso de proteção ao meio ambiente estava ganhando força.

Assim, em 18 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi covardemente assassinado com tiros de escopeta no peito, na porta dos fundos de sua casa, quando saía para tomar banho. A repercussão internacional foi enorme. O caso foi julgado. Mandante e assassino, agropecuaristas que haviam perdido terras para as reservas extrativistas, foram presos graças ao depoimento de uma testemunha. Mas, dentre julgamentos e fugas, eles cumpriram pena de menos de 10 anos dos 19 de condenação. 

3 motivos porque todo brasileiro deveria conhecer Chico Mendes.

1. Chico Mendes foi um precursor da luta pela proteção ao meio ambiente. E é internacionalmente reconhecido por isso. Nos anos em que ele lutou, a preocupação com o aquecimento global e com a preservação das florestas estava longe de ser a prioridade de qualquer país. Hoje, o mundo vive as consequências de muitas décadas de devastação e descuido: geleiras estão derretendo, temperaturas frias e quentes batem recorde a cada ano nas mais diferentes regiões do globo terrestre. Chico estava anos a frente quando dizia: 

“No começo pensei que estivesse lutando para salvar seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade.” – Chico Mendes

2. Chico Mendes deixou um legado imenso aos brasileiros. Hoje o Acre é o Estado menos devastado da Amazônia. E, de acordo com o Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC), até julho de 2015, existiam 90 reservas extrativistas no país: 62 na esfera federal e 28 na esfera estadual. Sendo a maior delas a Reserva Extrativista Chico Mendes, com 1 milhão de hectares.

Mas a luta continua. Apesar de termos a maior parte da Floresta Amazônica em nosso território, estamos longe de sermos um dos 20 países mais verdes do mundo, segundo ranking de 2016. O motivo? Justamente porque decepcionamos no quesito “preservação das florestas”.

“Não quero flores no meu enterro, pois sei que vão arrancá-las da floresta”. – Chico Mendes

3. Chico Mendes foi assassinado por sua luta pelo meio ambiente e porque pensava diferente daqueles que os cercavam. Trinta anos depois, segundo estatística compilada por ONG britânica em 2018, o Brasil ainda é o país mais letal para defensores da terra e do meio ambiente. Trinta anos depois,Trinta anos depois, Marielle Franco, outra voz política do nosso país, também é assassinada, dessa vez no Rio de Janeiro, por sua luta pelos direitos humanos. É… Parece mesmo que pensar diferente no Brasil mata. E isso é muito sério.

“Tenho esperança de continuar vivo. É vivo que a gente fortalece essa luta”. – Chico Mendes

Por isso, independentemente do que pensa o atual ministro do meio ambiente, responsável pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade e por nossas Reservas Extrativistas, eu, particularmente, acredito que Chico Mendes merece, sim, ser conhecido pelos brasileiros. E já pensava assim aos 7 anos de idade. E você? Acha ou não acha importante conhecer a história do meu amigo Chico?

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

Trilha sonora deste post:

How many people – Paul McCartney

Para conhecer ainda mais sobre a vida de Chico Mendes, recomendo os seguintes documentários:

Chico Mendes, o preço da floresta (2010)

A história de Chico Mendes

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

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