Carpe diem ontem
O desejo e a frustração
Ela passara o dia dizendo que estava frustrada. Não era aquela comemoração que ela imaginava. Afinal, os últimos 5 anos tinham sido muito bons, ou não tinham sido? Será que não eram dignos de celebração? Não… Definitivamente não era aquela comemoração que ela tinha imaginado. Porque para ela companheirismo, superação, aprendizagem e amor eram dignos de nota.
Já tinha falado e esperneado. Ela achava que tinha explicado, que tinha sido clara, mas ninguém parecia entender. Ela queria ir para longe, para onde pudesse respirar, para onde não a pudessem achar nem alcançar. Ela queria ir para onde pudesse saber de si, para onde pudesse lembrar de quem tinham sido e do que gostariam de ser. Ela queria ir para um lugar onde fosse possível pensar em ser e em pertencer. Um lugar em que não precisasse “ter que”, promover, ajudar, solucionar, rapidamente, velozmente, antes que o segundo, o minuto, a hora, o dia acabe. Antes que fosse tarde demais.
Há algo muito especial na natureza… Há algo poderoso em estar cercado por aquilo que você não pode controlar. Libertador. Por isso, ela já tinha decidido. Ela queria ir para o meio do mato, onde os problemas não a alcançariam, onde ela não os poderia resolver. Ela queria ir para o meio do mato, onde o homem ainda não tivesse chegado com sua negligência, irresponsabilidade, orgulho, ganância, dinheiro, planos doidos para ser quem não são e nunca serão.
O tempo certo para agir
O dia acabou sem que ela conseguisse concretizar seus desejos mais simplórios, nem suas obrigações mais cruéis. Mas sonhos têm a força dos primeiros raios de sol e acordar na manhã seguinte doeu até o momento em que ela recebeu um convite. Sim, vamos arrumar as malas e sair. Vamos para aquele lugar das cachoeiras, dos montes, da terra e do verde.
Por frações de segundos ela hesitou, mesmo sabendo que era aquilo que ela queria. Ela ponderou porque a vida havia lhe ensinado a ponderar. Ela teve medo, porque o mundo em que vivia nunca encorajou atitudes assim. Mas a vontade era imensa e mais forte do que qualquer manual de razão que já tivesse lido.
Portanto, sem o planejamento costumeiro de sempre, sem que fosse pensado, estudado, calculado, eles foram. Como uma ideia passageira e um vento de fim de tarde, eles partiram. Porque 5 anos não eram pouca coisa. E porque não eram quaisquer 5 anos.
Assim eles foram para onde podiam e como podiam, sem excessos, sem muitas pretensões, mas cheios de inevitáveis expectativas, exatamente como tinham sido nos últimos 5 anos. Apenas pelo prazer de viver e pelos prazeres da vida.
Desejaram, agiram, chegaram. Como já dizia um velho provérbio, be careful what you wish for in case your wish comes true. Ela pediu pelo meio do mato e o meio do mato ela teve.
Carpe Diem
Curioso. Ela sempre se julgara ser uma ultra romântica. Simplesmente não via como não viver sem aquela tal intensidade, sem tempestades em copos d’água, sem nervos à flor da pele. Mas agora sentia-se uma verdadeira arcadista. Carpe Diem, ela pensava. Ela queria um ritmo mais lento para o dia, a apreciação das pequenas coisas, das coisas feitas por Deus. Ela queria a tempestade seguida de uma manhã de sol. Ela queria o “boa noite” distante do “bom dia”. Devagar. No tempo certo. No tempo que não era o dela, muito menos do Google e do Facebook. Ela queria o tempo sem métricas, sem previsões, sem relatórios. Tempo que ela não sabia qual. Imprevisível.
E assim a chuva caiu. Torrencial lavadora de almas em meio a diálogos de lembranças, taças de vinho inebriantes e besouros, cigarras e gafanhotos… Ou seriam Grilos? Louva-a-Deus? Esperança.
A tempestade lavou nosso telhado e nossas mentes, o rio abundante levou embora o nosso sono. A paz é difícil de ser encontrada quando você sabe que não está no controle de nada. E em meio a natureza você nada controla.
Mas veio a manhã, e havia muito a explorar, aproveitar, cavalgar, andar. E, para isso, era preciso espairecer, admirar, respirar, fazer as pazes consigo mesma. Lavar a alma, dar adeus a culpas, recuperar as energias, saber exigir menos, pedir menos, querer menos. É preciso.
Novos sonhos
Ela pensou: “É sempre assim: quando retornamos somos diferentes”. Porque deixamos um pouco de nós em cada lugar e porque trazemos um pouco de cada lugar em nós. Aos poucos, montamos o nosso quebra-cabeça particular em que nem todas as peças se encaixam. Mas que diariamente nos levam em busca de novos desafios, desejos, frustrações e agir. Porque novos sonhos formam-se através de experiências, mas velhos sonhos formam-se na rotina, na mesmice, no ato ignorante de repetir os mesmos erros.
A verdade é que Carpe Diem nem sempre é possível. Afinal, como sair do ciclo vicioso formado pelas vontades da sociedade para nossas vidas? A realidade que construímos para nós é difícil e está sempre cheia de pedras pelo caminho. Não há respostas prontas. Não sei dizer.
Voltar à realidade, longe do verde e próxima do cinza, pode ser um processo muito dolorido. Mas deve ser pensado. Afinal, o conforto artificial proporcionado pelo dinheiro promove noites de sono mais saudáveis enquanto poluem o ar que respiramos. Afinal, dormir ao som de cigarras e tempestades pode significar não dormir a noite toda e mesmo assim ter fôlego para aproveitar inteiramente o dia que amanhece.
Ela gosta de pensar que “A sorte segue a coragem”. E foi bom fugir porque daqui pra frente, tudo será diferente. Mas ainda… “Só sei que nada sei”.
Rachel Jaccoud Amaro Mendonça
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