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A Quinta do Vilar (parte 2)

Era agosto de 2020 e eu não via a hora de visitar a Quinta do Vilar novamente. Havia uma magia e uma energia tão boa naquele lugar que desde minha saída de lá, em 2019, eu só pensava em voltar. Eu me deixara cativar completamente.

Agora seria completamente diferente, eu sabia e Maria já alertara: o tempo de colheita não era nada fácil como queriam romantizar alguns. Era trabalho duro, suado e haviam prazos a serem seguidos. Mas nem por um momento pensamos em desistir. Colher uvas era um sonho antigo, não concretizado desde 2017. E parecia que finalmente havia chegado o dia.

Superando as expectativas, a Quinta do Vilar era tão bonita no verão quanto no outono, minha estação do ano preferida. É que há alguma coisa nos raios solares e no azul do céu que oferece um brilho especial ao verde das videiras e ao Rio Douro que vemos distante, lá no Vale. Há também um constante aroma de figos e uvas maduras no ar e uma brisa no fim da tarde que sempre ameniza o calor da estação e que, ao balançar os sobreiros, completam a sinfonia do canto dos pássaros.

Dessa vez, a Quinta do Vilar contava com uma nova moradora: Teresa Natureza chegara para ajudar nas tarefas da fazenda, mas parecia que havia estado sempre lá. A velha casa ganhou novos ares, estava habitada e limpa, cheia de sorrisos e de manias. Era graças à Teresa.

O trabalho começou no dia seguinte, com um passeio pela Quinta ao lado de Teresa, e com a colheita de inúmeros figos maduros e doces como mel. Aos poucos, Teresa compartilhava seus conhecimentos sobre a terra, sobre as plantas, sobre os animais, e sobre seus valores mais preciosos. E quanto aprendemos com ela!

Nossa primeira colheita

A colheita das uvas começaria alguns dias depois, nas velhas vinhas de uvas brancas, primeiramente em companhia das três Marias, de Seu José e Seu Manoel. Depois, também em companhia de Annabelle, João e seu filho.

Mas logo chegariam ainda mais pessoas. O incomparável Américo, os queridos Rui e Célia, a sorridente Deolinda e tantos outros. É que na semana seguinte, colheríamos as uvas selecionadas para a produção do vinho da casa, o delicioso Salta Piscos, cuja primeira safra havíamos engarrafado no ano anterior.

Eram muitos os motivos pelos quais eu admirava Maria. Um deles era pela façanha de todos os anos conseguir reunir em torno de si amigos fiéis que com alegria colaboram voluntariamente com seu projeto. A casa ficou cheia! Cheia de pessoas e repleta de alegria e expectativa para o dia seguinte.

Acordávamos cedo. Às 6 da manhã subíamos na boleia em direção aos vinhedos mais distantes da casa. O nascer do sol assistíamos enquanto colhíamos os primeiros cachos do dia. Aos poucos, tudo mudava de cor. Para espantar o cansaço, cantávamos. Às vezes, todos juntos, às vezes, sem nenhuma harmonia. Às 11h parávamos para um pequeno lanche. E a partir daí, o sol castigava e a colheita ficava mais difícil. Mentalmente e às vezes verbalmente eu agradecia à Teresa por ter me emprestado com tanto carinho um chapéu seu. Não… Não é sem motivo que as vindimeiras estão sempre com um lenço ou um turbante na cabeça. Só consolava-me a certeza de que um almoço preparado com carinho e muitas vezes com produtos da própria fazenda nos aguardava. Consolava-me usufruir daquela paisagem a todo instante.

Uma tarefa árdua, mas que vale a pena

Não é fácil produzir o vinho nosso de cada dia, não. Ah… como dá trabalho! Ah… como dói!

Eu estava cansada. Todos nós estávamos. O meu corpo doía como nunca em minha vida. E havia mais trabalho no dia seguinte. Não era possível parar.

Conforme os dias passavam e o cansaço tomava conta de nós, os ânimos mudavam. Mal humor e alguns desentendimentos aconteceram. Mas não eram tão importantes. Afinal, quando olho pra trás, só escuto as  gargalhadas dos novos amigos que fizemos em meio às vinhas e ao redor da mesa.

Quando olho pra trás, lembro do povo reunido na pisa da uva, cantando canções e dançando com alegria. Lembro da pisa nos dias seguintes, quando colocamos nossa própria trilha sonora e convencemos Annabelle a dançar pop rock enquanto cumpríamos com nossa tarefa. Também lembro da cantoria de Américo, de Celinha e de Luiz Felipe. Lembro do sorriso da Teresa e lembro do olhar de gratidão de Maria.

A recíproca não poderia ser mais verdadeira. Se Maria estava grata por poder contar com nossa ajuda, nós também estávamos por, em um ano tão difícil, ter podido participar da produção deste vinho tão único e especial, e por ter vivido dias lindos neste universo tão particular chamado Quinta do Vilar.

Passaram-se sete meses desde então. Tanta coisa aconteceu de lá pra cá. Mudaram as estações. Mudamos de país. Mas eu ainda visito a Quinta do Vilar frequentemente em meus sonhos.

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Leia também outros relatos sobre a Quinta do Vilar:

A Quinta do Vilar – Parte 1
Nos bastidores de uma celebração

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

2 thoughts on “A Quinta do Vilar (parte 2)

  • Querida Rachel bateu uma saudade ao ler este tão “ generoso “ texto. Pleno de tanto sentimento e capacidade de captar nas palavras a “ unicidade “ de cada um de nós e da vibração deste lugar. São sentimentos como o teu, pessoas como todos vós, que vão nutrindo esta vontade, talvez missão, de estar ao serviço de toda a história deste sistema. Honrando o passado, Respeitando o presente, Cuidando com muito Amor este pedaço de Vida.
    Sinto uma gratidão imensurável.
    Ficamos à vossa espera

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    • Querida Maria, vida longa a ti, ao seu projeto e à Quinta do Vilar! Muito obrigada por dividir com tantos este lugar tão abençoado. Conte sempre conosco. Voltaremos. =)

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