A permanência de uma cultura
#olhabempqbemtem prezar, manter, cuidar de sua cultura e tradições.
Sempre ouvi de muitas pessoas que eu deveria conhecer o Machu Picchu. Afinal, era um lugar mágico, com uma energia diferenciada, bonito, incrível etc. & tal. Se eu ouvi, você também já deve ter ouvido a mesma coisa. E, sim, tudo isso está lá. (Ainda que para mim em menor intensidade do que no Deserto do Atacama).
Mas não foi nada disso que me chamou a atenção em nossa última viagem ao Peru. O que realmente me impressionou, e que ninguém nunca havia me contado, foi a presença e a permanência de uma cultura que eu achava que há muito estava perdida, esquecida ou, pelo menos, deixada em segundo plano.
Que segundo plano, que nada! Em Cusco e em todo o Vale Sagrado, a antiga cultura inca/indígena ainda está presente no olhar das pessoas, no comportamento, nas ruas, nas crenças, no vestir, no caminhar, na alimentação. E para mim foi incrível ver a força dessas tradições que há tanto tentaram sufocar.
Pode parecer meio óbvio o que estou falando, mas para mim na verdade não é.
Moramos em um país colonizado por portugueses, mas que recebeu diferentes choques culturais ao longo de nossa formação. Aqui chegaram africanos, franceses, holandeses, italianos, alemães, judeus, japoneses, chineses, sírios e libaneses, dentre tantos outros e somos uma mistura ainda em formação de tudo isso: muitas tribos, muitas culturas, pouca unidade.
As tribos indígenas que viviam no território que hoje chamamos de Brasil foram, sim, colocadas em segundo plano. E, com exceção de poucos lugares do Brasil, pouco restou deles em nós… Ou, pelo menos, em mim e naqueles que me cercam. Sim, temos a mandioca, a rede, nosso banho diário, muitas palavras em nosso vocabulário… mas pára por aí.
A unidade que não vemos aqui, de um certo modo, existia lá.
O território que hoje conhecemos como Peru abrigava o centro de um grande império! Os incas tinham uma visão de mundo própria, crenças e práticas religiosas muito bem estruturadas e definidas, conhecimentos avançados de engenharia, agricultura e astronomia para citar aquele mínimo que nos chama mais atenção.
Politicamente, eles foram dizimados por um pequeno grupo de espanhóis que trouxeram armas de fogo, doenças como a varíola, e promessas cheias daquele velho discurso que atrai pessoas ambiciosas: vamos unificar forças, expandir, te dou isso, você me dá aquilo… A dinastia inca continuou no poder durante um tempo, mas acabou sucumbindo.
Cusco, que era a capital deste poderoso e próspero império, transformou-se em território espanhol, com suas igrejas católicas erguidas onde antes jaziam antigos templos incas. E o ouro que cobria esses templos foi para a Espanha.
Mas… de certo modo, a cultura inca permaneceu.
Obrigados a adotarem uma religião que não era a sua, os cusquenhos pintaram os novos espaços de culto católico com seus antigos símbolos incas. Eles ressignificaram os ensinamentos católicos, incluindo-os com coerência dentro de sua antiga visão de mundo. Criaram espaços únicos. Tudo mudou, e nada mudou. Eles não abriram mão de quem eles acreditavam ser.
Os guias turísticos peruanos contam a história inca em primeira pessoa e, muitas vezes, no presente do indicativo. “Nós acreditamos que…”; “Esses são os nossos espaços porque…”; “Isso foi construído porque cremos que…”.
Uma pessoa que não esteve lá pode pensar que isso não é nada mais do que uma jogada para atrair e encantar turistas… Como um teatro de fantasia. Mas não é o que parece ser. A narrativa das pessoas muitas vezes vêm acompanhada de um brilho no olhar, orgulho genuíno de mostrar ser quem é… Há um respeito enorme aos antepassados, e o discurso recorrentemente vem acompanhado de uma experiência pessoal: a comida tipicamente inca que a avó faz, o ditado popular inca no qual ele sempre acreditou, os valores e as crenças que estão desde sempre em suas famílias.
Ollantaytambo
Essa sensação (oposta de quando estive em Portugal) de andar por um território muito diferente daquele de meu próprio país ficou ainda mais evidente em Ollantaytambo, uma cidade inca no Vale Sagrado que os espanhois não conseguiram conquistar.
Em Ollantaytambo, o sistema hidráulico é o mesmo utilizado desde o império inca: dutos a céu aberto, impecavelmente construídos e distribuídos por toda a cidade. Ali, as pessoas conversam em quechua nas ruas, umas com as outras. Ali, as tradições estão vivas bem diante de nossos olhos. Emocionante de se ver!
Claro que tradições indígenas estão presentes em várias regiões da América do Sul e de formas distintas. Mas, em minhas andanças pelo mundo, foi nesta viagem ao Peru que isto me saltou mais aos olhos.
Em um mundo cada vez mais globalizado, em um país subjugado pela “cultura dominante ocidental” com valores e crenças tão diferentes daqueles dos seus antepassados, perceber que a derrota foi mais política do que pessoal e cultural é, sim, um dado muito curioso na minha opinião. E alegrou meu coração.
Nesse sentido, andar pelas ruas de Cusco e das cidades do Vale Sagrado foi, sem dúvida, uma experiência muito enriquecedora, difícil descrever com palavras. A meu ver, foi ainda melhor do que estar na abandonada cidadela de Machu Picchu, por mais grandiosa que ela seja. (Claro que, como aqui, há muitos problemas e pobreza no Peru – mas isso é assunto para outro post).
Eu recomendo: vá ao Peru e veja com seus próprios olhos que a cultura inca ainda vive.
Rachel Jaccoud Amaro Mendonça
Fico doida com seus posts… ja estaa na minha lista, mas subiu algumas casas na lista de prioridades… beijo
hahaha Que bom saber disso!! =D Obrigada por comentar! Rachel.