Paulo Freire
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“Gostaria de ser lembrado como uma pessoa que amou profundamente o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, as águas, a vida”.
– Paulo Freire
Os contingenciamentos do ano de 2019 no Orçamento do Ministério da Educação já totalizam 18,7 bilhões de reais (Meio). E a pasta parece mesmo não ser uma prioridade do governo. Apesar disso, o Brasil é internacionalmente reconhecido por ser a pátria de um dos pensadores mais notáveis, citados e estudados na história da Pedagogia: Paulo Reglus Neves Freire.
Mas, afinal, quem foi Paulo Freire?
Pergunte a qualquer um que tenha conhecido e convivido com o Paulo. Todos dirão que ele era uma pessoa adorável, amoroso, gente muito boa!
Nascido em Recife no ano de 1921, Paulo Freire era um dentre os quatro filhos de um Capitão da Polícia Militar de Pernambuco. Sua família, portanto, era tipicamente de classe média. Porém, com a crise de 1929, sua realidade mudou um pouco. A família chegou a passar fome e teve que se mudar para Jaboatão dos Guararapes, região mais pobre nos arredores de Recife.
Dizem que as experiências que vivemos afetam muito a nossa vida, não é mesmo? Pois é! Para a formação de Paulo, esse momento difícil da vida dele significou vivenciar e observar uma realidade mais dura que a sua, dando-lhe a sensibilidade e uma preocupação extra para com os mais pobres. Algo que mais tarde marcaria muito a sua obra.
Com a morte de seu pai, seus irmãos começaram a trabalhar muito cedo. Mais novo, Paulo Freire entretanto, conseguiu terminar seus estudos e entrar para a Universidade do Recife em 1943. Seu objetivo era cursar a Faculdade de Direito e assim o fez. Mas ele acabou não exercendo a profissão, pois preferia o trabalho como professor.
Paulo Freire queria mudar o mundo tornando as pessoas capazes de reconhecer a importância do pensamento ou da ação política. Por isso a Educação era tão importante! Afinal, era ela que proporcionava a capacidade de leitura, não apenas das letras, mas do mundo.
É isso mesmo. Para Paulo, não existe coisa tal como um processo de educação neutra.
Para ele, a Educação ou funciona como um instrumento que é usado para facilitar a integração das gerações na lógica do sistema vigente para trazer conformidade com ele, ou ela se torna a “prática da liberdade”, o meio pelo qual homens e mulheres lidam de forma crítica com a realidade e descobrem como participar na transformação do seu mundo”.
Ou seja, Paulo Freire queria conscientizar os alunos para fazerem deles pessoas críticas, transformadoras de suas realidades.
–> Quer assistir a um filme sobre esse poder transformador da educação na vida das pessoas? Veja uma sugestão aqui.
Sonhos que incomodaram (e incomodam) o sistema
Já em 1946, antes mesmo de concluir a Universidade, Freire foi indicado ao cargo de diretor do Departamento de Educação e Cultura do Serviço Social no Estado de Pernambuco. E foi lá que ele iniciou o trabalho com analfabetos pobres. Em 1961, tornou-se diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife. No mesmo ano, com sua equipe, iniciou as primeiras experiências de alfabetização que levariam à construção do Método Freire: o ensino a partir de uma “palavra geradora” que instigaria, e aguçaria a criatividade do aluno para aprender. O resultado foi a alfabetização de 300 cortadores de cana em apenas 45 dias, no interior do Rio Grande do Norte. O curso foi financiado pelo governo dos EUA e ensinou, além da leitura, os direitos trabalhistas.
Saiba mais sobre essa experiência neste link aqui.
Esses resultados não passaram despercebidos pelo governo brasileiro que, comandado pelo então presidente João Goulart, aprovou a multiplicação dessas primeiras experiências num Plano Nacional de Alfabetização, que previa a formação de educadores em massa e a rápida implantação de 20 mil “círculos de cultura” pelo país.
Mas tudo mudou no ano de 1964. Porque o golpe militar foi rápido em suspender o plano. Paulo Freire foi encarcerado como traidor por 70 dias. Avisado por amigos de que correria perigo, resolveu exilar-se primeiro na Bolívia, depois no Chile, onde trabalhou por cinco anos para o Movimento de Reforma Agrária da Democracia Cristã e para a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. Foi durante esse período, em 1967, que publicou no Brasil seu primeiro livro: Educação como Prática da Liberdade.
Reconhecimento internacional
Por seu empenho em ensinar os mais pobres, Paulo tornou-se uma inspiração para gerações de professores, especialmente na América Latina e na África, mas não apenas. Afinal, Freire foi convidado para ser professor visitante da Universidade Harvard em 1969. A partir dali, sua fama apenas cresceu. Seu mais famoso livro, Pedagogia do Oprimido, foi publicado em várias línguas. No Brasil, entretanto, o livro foi publicado apenas em 1974, quando iniciou-se o processo de abertura política.
Paulo Freire ainda passou por Cambridge e por Genebra, na Suíça. Ali, trabalhou por 10 anos como consultor educacional do Conselho Mundial de Igrejas. Viajou por países de terceiro mundo e atuou na reforma educacional das ex-colônias portuguesas na África.
Como consequência de seu trabalho, em 1986, Paulo recebeu da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) o Prêmio Educação para a Paz. E chegou a ser um dos indicados ao Prêmio Nobel da Paz em 1983. É o brasileiro mais homenageado da história, com pelo menos 35 títulos de Doutor Honoris Causa de universidades da América e da Europa, como a Universidade de Lisboa, de Barcelona, de Estocolmo e de Genebra. E pesquisas apontam que ele é o único brasileiro entre os 100 autores mais citados no meio acadêmico, o segundo melhor colocado no campo da educação.
O trabalho de Freire é ainda hoje muito estudado em universidades americanas. Na Finlândia, país que é referência mundial em qualidade de ensino, encontra-se um Centro Paulo Freire, dedicado ao estudo do educador. Centros parecidos também existem em África do Sul, Áustria, Alemanha, Holanda, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e Canadá. Na Suécia, Freire virou uma escultura.
Legado no Brasil e no mundo
Foi apenas em 1980 que Paulo retornou ao Brasil. Por aqui, ele chegou a atuar como secretário de Educação da cidade de São Paulo entre 1989 a 1991. Foi quando criou o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA), um modelo de programa público de apoio à Educação de Jovens e Adultos que até hoje é adotado por muitas prefeituras e instâncias de governo. Também na cidade de São Paulo foi fundado em 1991 o Instituto Paulo Freire, que até hoje mantém os arquivos do educador e realiza inúmeras atividades relacionadas ao legado do pensador e sua atuação na educação brasileira e mundial. Mas, apesar disso, o Método Paulo Freire, elaborado na tradição mais clássica de pesquisa empírica, não voltou a aparecer em um verdadeiro plano nacional a favor da alfabetização. Sua aplicação parece mesmo ter ficado muito restrita à Educação de Jovens e Adultos.
É verdade que no último século o Brasil passou de uma taxa de 65% de analfabetos para 10%. Mas, ainda hoje, a cada 100 crianças, só metade sabe ler aos 8 ou 9 anos. E, por sermos um país tão grande, 13 milhões de jovens e adultos com mais de 15 anos ainda não sabem ler nem escrever. Desta forma, o Brasil aparece entre os dez países com mais analfabetos no mundo, segundo a UNESCO.
Escute um debate interessante sobre a educação no Brasil aqui.
Enquanto isso, na Alemanha, é o método Paulo Freire que é utilizado para integração de refugiados na sociedade. Como é mesmo que se diz? Parece que “santo de casa não faz milagre”, não é?
Conclusão
O talento de Paulo Freire como escritor o ajudou a conquistar um amplo público de pedagogos, cientistas sociais, teólogos e militantes políticos. Mas, ao contrário do que muitos pensam, Paulo Freire não era um homem de partido. Apesar de ter se filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), no início da década de 80, ele não queria levantar bandeiras. Apesar de ser socialista e humanista, ele não era comunista. Sua causa era muito maior! Em todo o seu trabalho há uma marca cristã: a do amor sem distinção de raça ou nação. Seu compromisso era com a cidadania, a justiça, a igualdade. Seu principal legado é o do sonho de liberdade.
“Eu tenho horror a dar conselhos. Mas se eu tivesse que dar algum conselho a vocês seria o seguinte: primeiro, não deixem morrer em vocês os jovens que vocês estão sendo nem os meninos e meninas que um dia vocês foram. Segundo, por isso mesmo, não deixem matar em vocês a curiosidade permanente diante do mundo”.
– Paulo Freire
Na minha opinião, esse tal Paulo Freire, tão criticado pelo atual governo, é uma figura apaixonante. Se você gosta de ler, procure um de seus livros. Deixo alguns links de seus principais títulos ao final deste artigo. Ele escreve de forma fácil e envolvente e, ao mesmo tempo, com muita erudição. Se você não é muito dado a longas leituras, assista a essa entrevista de 1989 feita pelo Serginho Groissman que na época comandava um programa na TV Cultura. Você se apaixonará por esse senhor simpático assim como eu, e verá que muitos de nossos problemas e sonhos ainda são os mesmos daquela época.
Rachel Jaccoud Amaro Mendonça