Comportamento

O Carnaval da Palhaça Ranzinza

#olhabempqbemtem …no Carnaval.

Quem não gosta de samba, bom sujeito não é
É ruim da cabeça, ou doente do pé”

Como morei a maior parte de minha vida no Rio de Janeiro, cresci ouvindo esses versos do baiano Dorival Caymmi. É que, assim como na Bahia, no Rio, o samba e o Carnaval reinam.

Em mim, esses versos sempre provocaram um misto de angústia e indignação. Sim, estou muito bem-acostumada em ser vista como a pessoa que não segue a maioria dos padrões. Mas é sempre constrangedor ter que admitir que eu não gosto de samba, nem de Carnaval.

O que fazer? Não sei fingir que gosto. Não sei mentir… Então acabo aturando o nariz torto das pessoas, junto àquela feição de surpresa e decepção, quase expressando um: “Nossa! Mas eu achava que você era tão gente boa…”. Sim, porque não há problema em ser ruim da cabeça ou doente do pé. Já “bom sujeito” eu sempre quis ser! Mas, se samba define, não sou nada boa.

Foi mal, gente. Desculpa aê… Mas eu realmente não gosto. Não precisa me mostrar a música A, B, C ou D. No máximo, eu as aturo. Não me fará mudar de opinião.

Eu poderia justificar dizendo que minha família tem origem em igrejas protestantes e que, consequentemente, o samba e o Carnaval nunca fizeram parte de nossas práticas mais comuns. Mas não seria verdade. Minha mãe é apaixonada por Cartola, tenho tios que curtem muito Jorge Aragão, e minha linda sobrinha de dois anos de idade não consegue ouvir notas de samba sem começar a se mexer. Meus amigos sempre me convidaram para acompanhar blocos de Carnaval, mas eu por eles nunca me interessei.

Sou apaixonada por História e por manifestações culturais. Lógico que não descarto a importância do Carnaval e do samba dentro deste contexto. E não tenho absolutamente nada contra quem curte ambos! Mas, de uma perspectiva estritamente pessoal, Carnaval para mim sempre foi bom pela oportunidade que tinha de viajar. Vários dias de folga seguidos: nada melhor do que poder viajar! E só recentemente, quando comecei a controlar gastos e analisar custos com mais esmero, é que me dei conta de que nem pra isso o Carnaval é bom: viajar é tão mais caro no Carnaval!

Então… O que você faria neste Carnaval?

Eu não pensei duas vezes! Eu trabalharia. Afinal, estou correndo atrás de uma nova carreira, com objetivos bem definidos que espero alcançar em breve. Estou amando o que faço, sou focada… Nada melhor do que trabalhar… Não é?

Errado. Por mais que eu ame minha nova rotina de trabalho e minhas longas jornadas na frente do computador, a vida é muito mais do que trabalho. E, ao cuidar apenas ou demais do trabalho, outras coisas ficam automaticamente prejudicadas: relacionamentos, alimentação, saúde, e tudo o mais que eu jurei fazer quando não mais precisasse bater ponto.

Brigas, discussões, um princípio de tendinite e sessões de terapia, portanto, me fizeram reconsiderar meu Carnaval. Ok, vamos tentar relaxar, não fazer nada de muito importante… Vamos deixar o trabalho e as expectativas de lado. (E nem por aqui nós aparecemos!)

Pelo menos no Carnaval, né?

Pelo menos no Carnaval, que desde a Antiguidade está relacionado a um conjunto de práticas que subvertem as principais regras sociais. Pelo menos no Carnaval, que desde a Idade Média permite e valoriza a inversão de papéis e valores das sociedades ditas civilizadas… Sobre isso, aliás, o Kenner Terra escreveu um post muito interessante, que vale a pena ler aqui.

Pelo menos no Carnaval, permita-se… Piscina, praia, sobrinhos, restaurantes, sessões de cinema e de Netflix em casa, leituras, jogos. Amo muito tudo isso. Mas, meu marido que nasceu em meio a um Carnaval e que, exatamente por isso há muito abstraiu suas próprias comemorações, queria muito curtir o Carnaval (de fato) e ir a pelo menos um dos incontáveis blocos que ocorrem na cidade do Rio de Janeiro.

Como recusar? Juro que pedi a Deus para que ele mudasse de ideia. Suei frio de desespero e raiva. “Por favor, não me faça passar por isso!” Mas não adiantou. Este ano seria mesmo a minha estreia no Carnaval. E lá fui eu, com minha roupa de Oktoberfest alemã, uma maquiagem de roqueira bem improvisada e um pequenino nariz de palhaço. Pronto: sou a palhaça ranzinza do Carnaval. Nada melhor do que ir fantasiada de mim mesma!

E como foi sua noite de Carnaval?

Eu precisaria de outro post para contar com detalhes as aventuras daquela noite, em busca do local onde se apresentaria o Bloco não oficial Agytoê, ao lado de um amigo sociólogo que estava com a perna quebrada, mas que faz questão de aproveitar o Carnaval até de muletas. Ah… Contraste maior que esse não há! E, sem dúvida, colecionamos mais histórias para contar!

De minha parte afirmo: foi uma experiência antropológica riquíssima, em todos os sentidos! Incrível ver a alegria e disposição das pessoas, inclusive das crianças! Arrepiei-me com as inúmeras críticas sociais que vi por aí… (Esse ano todos nós vimos, pelo menos na televisão!) Lindo mesmo de se ver! Com relação ao Agytoê, especificamente, eles produzem um som belíssimo, cheio de emoção. Que batida! Dá pra ver que seus integrantes são apaixonados pelo que fazem: pelo Carnaval da Resistência!

No fim, a palhaça ranzinza não estava tão ranzinza assim… Talvez eu até repita a experiência! Mas lamento contar: continuo não gostando muito do Carnaval (no sentido estrito da palavra), apesar de ter casado com um. (E tudo bem se você não entendeu essa parte, não era mesmo para entender!).

Eu sou excessivamente regrada para o Carnaval. Tenho um senso de humor peculiar, sarcástico, mas bastante limitado. Fico incomodada demais com o lixo nas ruas, com a bebedeira excessiva das pessoas, com o fato das coisas saírem do controle. Sim, o problema é comigo! Se é para falar de subversão, continuo preferindo os shows de rock, as discussões políticas em uma mesa de bar, os ultrarromânticos e minhas viagens de baixíssimo custo.

Mas então, que BEM você viu no Carnaval?

Ah… O Carnaval… Nunca mais pensarei em trabalhar no Carnaval! Se há milênios essa prática existe e não pode ser contida… Se há milênios a grande maioria concorda que o Carnaval é necessário, é porque realmente deve ser, não? Especialmente pelo seu caráter libertário e subversivo! Quem sou eu para dizer o contrário?

Vou então me incluir nessa proposta! O Carnaval esse ano foi fundamental para mim. Com bloco ou sem bloco, foram dias de descanso, de abstração, dias sinceros de vida sem culpa, sem obrigações. Sem hora para acordar! Dias para recomeçar. Afinal, não dizem os brasileiros que é depois do Carnaval que o ano começa?

Que agora consigamos recomeçar nossos planos de forma mais leve, mais equilibrada, porque descansamos, extravasamos e/ou refletimos no Carnaval e com o Carnaval. E mãos a obra! Porque, felizmente, ano que vem, tem mais!

Rachel Jaccoud Amaro Mendonça

Trilha sonora deste post:

Quando o Carnaval chegar – Chico Buarque

Rachel Jaccoud Amaro

Rachel é historiadora por formação, escritora por vocação e fotógrafa nas horas vagas. Ama quebrar paradigmas e, exatamente por isso, abraçou o Olha Bem pq Bem Tem como projeto de vida.

6 thoughts on “O Carnaval da Palhaça Ranzinza

  • Edilson

    Adorei. Vc é show. Creio que nós dois vivemos situações parecidas com nossos parceiros. Só que eu, ainda, não tive que enfrentar um bloco. Mas estou sob ameaça de um desfile na Sapucaí já faz algum tempo. Não sei até quando vou resistir.
    Continue escrevendo. É muito bom ver que tem gente, como vc, que consegue colocar no “papel” aquilo que agente sente.

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    • hahaha Acho que é isso mesmo, Edilson! Vivemos situações parecidas mesmo… Eu continuo torcendo para que eu não tenha que ir um dia a Sapucaí! Mas se um dia chegar sua vez, tenha a certeza de que sobreviverá! hahaha Muito obrigada pelo apoio e comentário! =)

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  • Sandra Gomes Sandins Mendonça

    Ri muito, voce é ótima e encantadora escritora , lhe identifiquei totalmente no seu texto! E na foto ficou linda fantasiada de palhacinha roqueira ranzinza alemã ! Amei! Só pra lhe dá uma forcinha… Eu também não gosto de Carnaval, mas entendi você perfeitamente! ❤

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  • Aldilene César

    Belíssimo texto, Rachel!
    Imagino uma pessoa que não gosta de carnaval vivenciando tal experiência em um bloco do carnaval carioca. Hehehehehe
    Parabéns pela sensibilidade com que apresentou sua própria reflexão autocrítica.
    Bem-vinda ao carnaval! rs

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